Depois de em The Seventh Cross ter abordado, numa altura em
que era raro ou delicado fazê-lo, os horrores dos campos de concentração nazis,
Fred Zinnemann volta em 1948 ao confinamento em tempos de guerra de uma maneira
menos directa, com um conto de vingança e decepção numa América entretanto
declarada vitoriosa. Robert Ryan impõe toda a sua fisicalidade ao entrar em
cena como um monossilábico nova-iorquino que sai de casa apressadamente para
atravessar o país até à Califórnia. Mancando e com uma arma carregada, o seu
objectivo é muito claro: matar Frank Enley.
Enquanto o primeiro começa por ser apresentado como uma
figura ameaçadora e deformada, o segundo aparenta ser o oposto, um veterano das
forças armadas com noções vincadas de família e comunidade, que promove o
investimento na construção civil, contribuindo para o crescimento assolapado
dos subúrbios, símbolo de uma nação próspera. Zinnemann explora uma ideia
tornada recorrente, entrando por uma dessas casas adentro para revelar que a
perfeição do espaço pode ser traiçoeira. Lentamente, os papéis invertem-se, os
contornos difundem-se e um dia de pesca solarengo dá lugar a uma noite de
terror urbano.
Parkson quer ajustar contas com o passado, depois de
sobreviver a um massacre de prisioneiros de guerra cuja fuga foi denunciada às
SS pelo seu superior, o oficial Enley, em troca de comida. Eternamente
arrependido por ter abdicado dos seus princípios morais, este tem desde então primado
por ser um pai, marido e cidadão exemplar. Talvez por isso seja difícil
condená-lo completamente e se torne fascinante seguir a sua viagem pelos
recantos mais insidiosos de Los Angeles, embebedando-se, escondendo-se, afastando-se
para proteger a esposa, tentando encontrar uma solução.
A integridade é um tema de toda a filmografia de Zinnemann e
também as mulheres deste filme se sentem ameaçadas, arrastadas por amor ou pela
fortuna para o circuito de culpa e desilusão que Parkson e Enley não conseguem
ultrapassar, o mesmo que perpassa pelo mais recente The Master. As caras
metades de ambos unem-se para evitar males maiores, mostrando ser mais
ponderadas e compreensivas perante uma situação que está longe de ser preto no
branco. Já Pat oferece as soluções que conhece, retraindo-se de tirar proveitos
da situação; Mary Astor traz dignidade a uma personagem com pouca sorte na
vida.
Efectivamente, Act Of Violence faz-se de camadas e camadas diferentes
de cinzento sobrepostas e realçadas pela cinematografia expressiva e arenosa de
Robert Surtees, que considero ser das melhores de sempre em qualquer film-noir.
Alguns planos, como o que inclui o funicular Angels Flight, um tesouro
escondido da cidade, ou a sequência no túnel, que faz a memória dos que
morreram por sua causa ecoar na cabeça de Enley, são imperdíveis. Dentro do
género, poucos conseguem ser tão implacáveis e aludir com tanta intensidade às
incertezas do pós-guerra.
9/10