Se houvesse uma escala que medisse o
alcance de um ator, Anthony Quinn certamente que chegaria à classificação mais
elevada. Desde um árabe revolucionário (Lawrence Of Arabia), a um italiano
barulhento (La Strada), a um mexicano manhoso (The Ox-Bow Incident), teve uma
carreira muito diversificada, com interpretações sempre pautadas por elevadas
doses de volatilidade, paixão e credibilidade. Em Zorba The Greek, para muitos
o ponto alto da sua carreira, foi o grego jovial do título.
Quem é Zorba, exatamente? Não se
percebe, mas é um homem com muito à vontade e sem papas na língua, o que leva
Basil, um escritor inglês com ascendência grega prestes a ir para Creta retomar
um antigo negócio de família, a exploração mineira de lignite, a confiar nele
para o auxiliar na sua nova aventura, e cujas sonoras gargalhadas e lições de
vida fazem dele um compêndio ambulante de sabedoria popular. Aparece de repente
e incomodamente, mas é a companhia que Basil quer.
Zorba tem espírito de iniciativa e,
com a sua adaptabilidade e conhecimento da cultura e línguas locais, arranja
trabalhadores para todos os projetos do seu patrão, que educa e influencia.
Transmite-lhe conceitos práticos sobre como administrar subordinados e como se
inserir num meio que lhe é estranho, enquanto o direciona para as suas próprias
ideias, por vezes aproveitando-se da clemência e ingenuidade do inglês (Alan
Bates, novinho e simpático), o que mina a sua honestidade.
É inegável que há entendimento entre
ambos, mas a tragédia está ao virar da esquina e o filme é menos cómico e
agradável do que as primeiras impressões fazem crer, especialmente depois de
cada um deles atrair um interesse amoroso, o mais velho juntando-se com a dona
da pensão local, uma mulher tão despreocupada quanto ele, que já teve tantos
maridos quanto o número de cabelos do taberneiro, e o mais novo com a viúva
mais selvagem das redondezas.
Todos eles têm um destino malogrado
pela frente e Zorba é claramente o único capaz de suportar as desilusões da
vida. Porquê? Porque não se importa. É aqui que a porca torce o rabo e o filme
me perde, parecendo celebrar Zorba e os modos mediterrânicos, que incluem boa
música, a omnipotência da religião e vontade de apreciar o que a natureza
oferece, mas também, pelos vistos, falta de lealdade nas relações
interpessoais, violência motivada por reacionarismo e delírios irresponsáveis.
Basil desbrava um mundo novo, com os
seus defeitos, mas impossível de condenar, ou um paraíso estrangeiro que
esconde um inferno que foge à racionalidade empertigada anglo-saxónica? Se o
propósito é o primeiro, a crueldade e a irresponsabilidade da população local é
destacada com demasiada veemência e assusta até um latino como eu; se é o
segundo, fazer um homem são passar de espectador a participante conformado,
pronto a abraçar esta cultura, é incongruente.
Há que reconhecer que Zorba é cativante
e vê-lo dançar ao ritmo da mítica banda-sonora de Mikis Theodorakis tem o seu
charme, mas o homem é um inútil. Deve ter passado por muito e dá bons insights
sobre o povo, mas também gasta o dinheiro do seu empregador em prostitutas e
num plano megalómano de fornecimento de madeira para a reconstrução da mina que
dá para o torto. Qual é a sua solução? Dançar outra vez e seguir em frente.
Basil imita-o, numa evolução de carácter
que é, então, inconsistente, especialmente depois de presenciar a
implacabilidade dos gregos quanto à viúva com quem chega a ter contacto físico
(não queria, mas a tentação é muita). Esta é talvez a narrativa que cria mais
confusão e melhor mostra quão mal envelheceu o filme. A mulher é ostracizada,
sabe-se lá porquê, é perseguida depois de um rapaz obcecado com ela se suicidar
e é morta na praça pública por vingança, com o aval de toda a vilória.
A visceralidade da cena ainda hoje é
eficaz, é verdade, mas mostra uma realidade primitiva, sexista e provavelmente
criada para efeito dramático, já que, por muito limitados que fossem os
afazeres, direitos e liberdades das mulheres na altura, custa-me a acreditar
que no tempo dos meus avozinhos se degolassem viúvas desta maneira. Ainda mais
mirabolante é a impunidade de Basil, um turista que se mete onde não é chamado,
e a sua inércia perante tal cena.
Corrompeu o seu código moral e viu-se
confrontado com a sua cobardia e fraqueza. Não há nada a celebrar e o
verdadeiro sofrimento, o da alma, começa. Pelo menos é o que gostaria de
deduzir no final, mas Zorba faz um derradeiro manguito e dança outra vez no
areal - o mundo é uma comédia e o riso a melhor resposta. Depende e, dadas as
circunstâncias, discordo. Há um tempo para tudo. Entrar em falência com o
sangue de inocentes nas mãos não é um deles.
4/10