A Ásia é um continente de nações antigas, religiões herméticas e
tradições milenares. As diferenças culturais e as distâncias megamétricas fazem
regiões como a Indochina parecer incompreensíveis, mas ricas em História e, por
isso, detentoras de um apelo bizarro. No cinema, poucos realizadores conseguem
atrair o Ocidente com tal exuberante exotismo como o tailandês Apichatpong Weerasethakul, aka Joe, e vendo um
filme como Uncle Boonmee Who Can Recall His Past Lives é e não é fácil de ver
porque é que isso acontece.
Porque é que é? Bem, Boonmee é dono de uma herdade que engloba pomares
de tamareiras e apicultura. Está às portas da morte devido a uma insuficiência
renal e tem um médico, uma ajudante e uma máquina de diálise como melhores
amigos. O lado místico de tal condição mistura-se com o da região e, em pouco
tempo, o filme transforma-se num delírio de mediunidade em que as frondosas
palmeiras servem de refúgio a fantasmas, princesas antigas e yetis com lasers
nos olhos - miragens de vidas passadas.
Joe não apressa qualquer plano, dotando o filme de uma calma
libertadora apenas possível de ser gerada por alguém que compreende a
subjetividade da imagem, onde o tempo é reinventado e não tem fronteiras, o que
é retratado em Uncle Boonmee com a maior naturalidade. Logo no início, a mulher
e o filho falecidos do agricultor juntam-se-lhe para jantar ao crepúsculo, o
que muito lhe agrada e pouco o espanta. A máquina de diálise e a câmara de
filmar são dispositivos de anacronismo, portais de transição.
Porque é que não é fácil de perceber o fascínio por isto? Bem, por cada
momento de transcendência, por cada detalhe cinemático de fazer babar qualquer
crítico, seja na tentativa de desconstrução do passado excêntrico mais antigo
ou no passado de guerra mais recente da Tailândia, seja nos diferentes estilos usados
para cada uma das 6 bobinas diferentes (o que não é fácil de identificar), Uncle
Boonmee carrega uma dose fastidiosa de humor seco, enredos desinteressantes e
20 minutos finais absolutamente irrelevantes.
Joe corre um risco grande: alude à possibilidade de uma história no
título mas apenas envencilha cenas aleatórias que se pretende que representem
reincarnações sucessivas, tal como são sucessivas as reincarnações do cinema, sem
um óbvio fio condutor e com uma abordagem inexpressiva à beleza de tanta
fantasia. Assim, Uncle Boonmee nunca chega a ter intensidade e rapidamente se
transforma em clorofórmio artístico, tornando obsoleto o apelo bizarro de florestas a milhares
de quilómetros de distância...
3/10