Quem já alguma vez leu On The Road de Jack Kerouac já saberá bastante
sobre o movimento beat na América dos anos 50, talvez o movimento boémio por
excelência, no qual o inconformismo era primordial, o deboche um acto de
libertação e a arte uma necessidade. Como qualquer subcultura, ontem ou hoje,
por cada entusiasta há dois detratores, e o fenómeno residual de uma geração à
procura de estímulos e de novos modos de vida acaba por ser o alvo de chacota
de outras anteriores ou posteriores. Assim aparece o termo beatnik, destinado a
classificar tudo o que fosse sátira da juventude tresloucada de então,
estereotipados pelo uso de roupa preta, óculos escuros e boinas, pelo estilo de
vida nómada e interesse em criar e apoiar literatura, poesia ou música que
desafiassem definições.
É nesse ambiente que A Bucket Of Blood se movimenta, mais concretamente
num espaço de reunião de artistas ou entusiastas em geral chamado The Yellow
Door Cafe, onde trabalha Walter Paisley, um empregado de mesa sem talento,
frustrado e aparentemente perturbado psicologicamente, uma figura que inspira
tanto simpatia como repulsa, graças ao aspecto e à interpretação de Dick
Miller. Quando mata, acidentalmente, o gato da vizinha com uma faca, tem uma
ideia genial: cobri-lo com barro e apresentá-lo como uma escultura da sua
autoria às tertúlias que idolatra e que o desprezam. A aprovação é consensual,
para surpresa de Walter, que pergunta vezes sem conta a todos se gostaram mesmo
do seu gato, e dos que o rodeiam, que assumem tê-lo menosprezado injustamente.
Um poeta charlatão chega mesmo a afirmar que a "voz" de
Walter é "a voz silenciosa da criação. No escuro do solo e rico em
humildade, ele floresce como a esperança deste século quase estéril" e
acaba a pedir-lhe um expresso. Há alguma comédia subtilmente infundida neste
filme, o que faz sentido num olhar crítico que, goste-se mais ou menos, não
deixa de ser certeiro quanto ao pretensiosismo fácil destes meios, a que o
cinema não é alheio, como Corman, o rei dos filmes B, certamente saberia. Em
pouco tempo, Walter abraça a fama, deixa de ser empregado de mesa, muda o seu
vestuário e congemina novas obras, cada uma com uma perfeição anatómica e
posses e expressões de terror assustadoras e que poderiam provar a descoberta
de um verdadeiro talento.
Poderiam, não fosse o facto de Walter simplesmente ter passado a matar
pessoas e a cobri-las de argila, de formas cada vez mais violentas e
premeditadas. O seu antigo chefe é o único consciente disso, mas por medo, pena
ou falta de provas, adia confrontá-lo ou expô-lo como a fraude que é, apenas
dando a Walter mais tempo para se encher de peneiras, sujar as mãos de sangue e
alimentar a sua maior obsessão, casar com Carla, a anfitriã do clube, que não
percebe o efeito que a sua simpatia tem na personagem principal. O argumento é
muito inteligente e gere todos estes factores com muita segurança, com um crescimento
exponencial de tensão e uma divertida perseguição final, isto tudo apesar da
produção low-cost e da gravação à pressa em 5 dias. A Bucket Of Blood é Roger
Corman no seu melhor, explorando uma cultura fascinante.
8/10
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