O valor de Júlio Verne enquanto
escritor é evidente quando os seus livros continuam a ser lidos nos dias de
hoje, provando que estes contêm, mais do que especulação científica espetacular
que o tempo veio a tornar realidade, aventuras extremamente cativantes e
transversais ao presente. Quando em 1956 saiu o filme Around The World In 80
Days, já as viagens de balão estavam ultrapassadas e tanto a aviação como o
turismo náutico haviam encurtado distâncias, para usar uma expressão ouvida na
introdução. Contudo, os episódios de cada paragem, o humor e a possibilidade de
ver paisagens novas e distantes sem sair da sala de cinema tornaram-no num
clássico incontornável.
Tudo começa com uma aposta, que
Phileas Fogg (David Niven) pretende ganhar, nem que gaste toda a sua fortuna,
cuja origem é desconhecida. Só no emproado Reform Club se descobririam
personagens ricas e caprichosas o suficiente para, primeiro, discutir quanto
demorariam a circundar o globo e, depois, para o tentarem fazer. Em abono da
verdade, o rigor de Fogg é tal que impressiona até os seus comparsas, também
eles devotos da pontualidade britânica, do chá das quatro ou do whist. Numa agência
de emprego, um mordomo lamenta-se por não o poder aturar mais. Isto parece um
trabalho para… Cantinflas! Que melhor contraparte do que o mulherengo e
flexível Charlie Chaplin mexicano?
Com esta premissa absurdista, a
comédia nunca baixa em qualidade, pois o improvável passa a ser permitido a Fogg e ao seu ajudante Passepartout. Alugam um elefante para atravessar a selva
indiana por 1000 libras (“- You’ve been diddled!” “-Undoubtedly, but it’s not
often one needs an elephant in a hurry”), salvam uma princesa, atravessam um
desfiladeiro americano de comboio numa ponte que vai caindo atrás deles (numa
espécie de referência a The General, cujo mentor, Buster Keaton, aparece como o
pica de serviço), entre outras peripécias. Pelo caminho é certamente batido o
record de cameos: Frank Sinatra, Marlene Dietrich, Charles Boyer, Trevor
Howard, Peter Lorre, parem-me que a lista não acaba.
Isto não é tudo, porque levam com
uns 70mm de Technicolor que até andam de lado. Michael Anderson monta a câmara
em tudo o que pode, no elefante, na frente do comboio ou num cavalo, filma o
monte Fuji do mar, o campo inglês dum balão, enfim, a beleza destes planos é
inqualificável, qual revista Volta ao Mundo. Niven é perfeito na sua
impassibilidade, mas revela um lado desiludido mais para o final, de um
solitário que se refugiou nas niquices do quotidiano por não ter ninguém com
quem o partilhar. Anda-se em círculos, mas ganha-se muito. Este é um dos
melhores filmes de aventura que há e merece ser recordado e revisto sempre que
possível.
9/10
Por acaso nunca consegui compatibilizar-me com esta versão oscarizada do livro do Verne. Prefiro uma minissérie com o Pierce Brosnan, o Peter Ustinov e o Eric Idle, mais fiel e mais interessante. A única coisa que gosto verdadeiramente no filme é os atores (e especialmente o grande Cantinflas!).
ResponderEliminarNem sabia da existência dessa série! Vou ter de procurar :) É um bocado episódico e talvez algum humor esteja ultrapassado, mas para mim resulta.
EliminarTrata-se de uma comédia que apesar de representativa da época é um tanto ou quanto sensaborona, mas com alguns "episódios" engraçados. O tempo foi realmente implacável com este filme.
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