quinta-feira, 15 de maio de 2014

Gates Of Paris (René Clair, 1957)

Apesar de o realismo poético francês, predominante nos anos 30 e que tinha Marcel Carné, Jean Renoir ou René Clair como expoentes máximos, ter sido agressivamente criticado pela geração da Cahiers Du Cinéma e caído algo no esquecimento, não deixa de ser um género que evoca muita melancolia, por uma forma romântica de encarar e de fazer filmes que deixou de ser comum, pelo menos com o nível de inocência que só a infância de um meio permite. É verdade que muito daquilo que na altura parecia requintado e refrescante hoje pode resvalar para a pirosada e tradicionalismo, mas pegar em Children Of Paradise ou The Rules Of The Game é ainda descobrir obras de grande sentido estético e histórias de um fatalismo tão sagaz, mesmo na mais simples das histórias, que se torna contagiante.

O ambiente de Gates Of Paris torna-se rapidamente familiar, por ser o dos cafés, bailes e feiras, onde tentar beber um copo à borla é piada recorrente e o desemprego uma realidade, mas é perpassado por algo à revelia desse quotidiano. O filme começa por andar à volta de um alcoólico inveterado, o espirituoso Juju, e de um artista, adequadamente conhecido como l’artiste, que vivem pobretes mas alegretes, algures na cidade das luzes. Entra em cena um assassino procurado pela polícia, que os dois tentam, por nenhuma razão em particular excepto por simpatia e por força das circunstâncias, esconder numa cave, até a poeira assentar. No dia seguinte, num momento maravilhoso, crianças brincam na rua aos polícias e ladrões e parecem sincronizadas com as descrições dos crimes de Barbier, que são lidas no jornal dentro do bar local.

Timing cómico não falta a Clair, em grande parte graças ao mérito acrescido de extrair grandes interpretações de Pierre Brasseur (sempre à procura do melhor nas pessoas, amolece Barbier, mas também o apresenta à garçonete por quem tinha uma paixoneta algo platónica) e de Georges Brassens (um bardo circunspecto), que se complementam. Ver os dois actores trabalhar juntos é o melhor do filme, já que a liberdade narrativa conduz a alguns pontos mortos, às vezes compensados com um dos melhores e mais bem usados temas de sempre, Au Bois De Mon Coeur. Em 1957, Fellini esticava os limites do neorrealismo italiano com Nights Of Cabiria, mas não terão sido a atitude “rir para não chorar” e as personagens do povo que eram marca registada do realismo poético francês parte dessa renovação?

7/10

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