Apesar de o realismo poético francês, predominante nos anos
30 e que tinha Marcel Carné, Jean Renoir ou René Clair como expoentes máximos,
ter sido agressivamente criticado pela geração da Cahiers Du Cinéma e caído
algo no esquecimento, não deixa de ser um género que evoca muita melancolia,
por uma forma romântica de encarar e de fazer filmes que deixou de ser comum,
pelo menos com o nível de inocência que só a infância de um meio permite. É
verdade que muito daquilo que na altura parecia requintado e refrescante hoje
pode resvalar para a pirosada e tradicionalismo, mas pegar em Children Of
Paradise ou The Rules Of The Game é ainda descobrir obras de grande sentido
estético e histórias de um fatalismo tão sagaz, mesmo na mais simples das histórias,
que se torna contagiante.
O ambiente de Gates Of Paris torna-se rapidamente familiar,
por ser o dos cafés, bailes e feiras, onde tentar beber um copo à borla é piada
recorrente e o desemprego uma realidade, mas é perpassado por algo à revelia
desse quotidiano. O filme começa por andar à volta de um alcoólico inveterado,
o espirituoso Juju, e de um artista, adequadamente conhecido como l’artiste,
que vivem pobretes mas alegretes, algures na cidade das luzes. Entra em cena um
assassino procurado pela polícia, que os dois tentam, por nenhuma razão em
particular excepto por simpatia e por força das circunstâncias, esconder numa
cave, até a poeira assentar. No dia seguinte, num momento maravilhoso, crianças
brincam na rua aos polícias e ladrões e parecem sincronizadas com as descrições
dos crimes de Barbier, que são lidas no jornal dentro do bar local.
Timing cómico não falta a Clair, em grande parte graças ao
mérito acrescido de extrair grandes interpretações de Pierre Brasseur (sempre à
procura do melhor nas pessoas, amolece Barbier, mas também o apresenta à
garçonete por quem tinha uma paixoneta algo platónica) e de Georges Brassens
(um bardo circunspecto), que se complementam. Ver os dois actores trabalhar
juntos é o melhor do filme, já que a liberdade narrativa conduz a alguns pontos
mortos, às vezes compensados com um dos melhores e mais bem usados temas de
sempre, Au Bois De Mon Coeur. Em 1957, Fellini esticava os limites do
neorrealismo italiano com Nights Of Cabiria, mas não terão sido a atitude “rir
para não chorar” e as personagens do povo que eram marca registada do realismo
poético francês parte dessa renovação?
7/10
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