domingo, 3 de fevereiro de 2013

Cosmopolis (David Cronenberg, 2012)


O nome do produtor Paulo Branco é o primeiro a aparecer no ecrã e ver um conterrâneo nestas lides não deixa de motivar algum orgulho, especialmente num fã do realizador David Cronenberg e do escritor do livro original, Don DeLillo, como eu. Com esta conjugação de factores perfilava-se, no mínimo, um dos melhores filmes do ano. Na realidade, depois de o ver sinto mais vergonha alheia por todos estes grandes nomes terem gerado semelhante patetice.

Depois de 3 (eventualmente 4) trabalhos mais contidos e menos bizarros, fase que dividiu opiniões mas que elogiei bastante pela maturidade estilística e clareza narrativa, sem perda de profundidade ou consistência temática, é irónico que no preciso momento em que Cronenberg parece querer baralhar e voltar a dar, falhe em construir sobre essa segurança adquirida e em aproximar-se do hermetismo fascinante e delirante dos seus trabalhos anteriores, simultaneamente.

Cosmopolis está, assim, suspenso num estado intermédio de insipidez. Nele, um insensível jovem milionário (por uma vez, a inexpressividade de Robert Pattinson serve a personagem) usa a sua limousine hi-tech para acolher reuniões incompreensíveis com os seus colaboradores espalhados pela cidade, para acalmar a sua hipocondria com consultas médicas privadas diárias e para manter relações sexuais com todo o bicho de saias que lhe aparece à frente, menos a esposa, uma poeta que, em busca de inspiração, fez um voto temporário de castidade.

Eric Packer passa o dia preso no tráfego, ainda mais infernal que habitualmente devido à presença do presidente nas imediações. Quer cortar o cabelo, apesar de não precisar, num barbeiro em específico, mas vários acontecimentos e encontros vão atrasando a viagem, para além de pairar uma atmosfera de ameaça, que se materializa com os relatórios pouco abonatórios que vai recebendo dos investimentos que tem feito e com a perseguição de um antigo empregado.

É uma metáfora perfeita para um filme que aponta para muitos destinos mas não vai a lado nenhum. Os diálogos sobre as discrepâncias sociais que se registam actualmente em países que incentivaram à desregularização e abriram portas ao capitalismo selvagem, EUA incluídos, embrenham-se num pretensiosismo arrogante. Packer virá a ser confrontado com o estrangulamento da classe média, mas não se faz justiça, apenas se ventilam frustrações.

“Não és contra os ricos, ninguém é contra os ricos”, diz. Tanto ele como a personagem de Paul Giamatti têm próstatas assimétricas, somos todos humanos, por isso um desempregado despedido sem justa causa não tem razões para vilificar o seu ex-patrão, porque todos tentamos tomar as decisões que melhor servem os nossos interesses. Será que era mesmo isto que Don DeLillo queria dizer, ou o argumento é tão mau que leva a más interpretações?

Hoje temos prostitutas com parquímetros na Alemanha, best-sellers sobre sadomasoquismo e pornografia acessível com um clique. Essa liberalização sem limites está subadjacente ao alienamento emocional de Packer, que encara o sexo primariamente como uma necessidade fisiológica diariamente estimulada e, como tal, a atender. Juliette Binoche e outras são objectificadas, mas também usam palavras caras, para não haver rótulos de machismo.

A premissa presta-se ao absurdismo, mas quando se pede desculpa por se assumirem riscos e não se define uma lógica clara, cai-se no ridículo. The Dark Knight Rises diz mais sobre o estado da economia que Cosmopolis. Algures entre a urbanidade corrompida de Eastern Promises e a fisicalidade perversa de Crash, Cronenberg tenta fazer agora a ponte na sua filmografia que não fez no início do século, mas já explorou estes distanciamentos muito, muito melhor.

3/10

7 comentários:

  1. Bem... mas com 3/10 colocas o filme como sendo mau e não acho o filme mau. É sim, uma obra bastante interessante... não o acho um bom filme mas daria um 6/10, porque consegue arriscar e questiona a insatisfação e o controlo doentio dos "abastados" da economia.
    E quem diria que uma mera ida ao barbeiro poderia ser algo, cuja determinação em o fazer no pior momento, mudaria o rumo da sua própria apatia. As presenças, ou cameos, dos "convidados" que vão desfilando ao longo do filme, também são uma factor que cativa o interesse.
    Mas sim, do Cronenberg, queriamos mais mas... o realizador que era uma fonte fervilhante de ousadias... já se acomodou. Temos de o aceitar assim...

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    1. Não tenho essa perspectiva... não acho que a viagem mude o personagem principal, apenas o deixa mais vulnerável, nem acho que se arrisque ou se questione assim tanto, a premissa é bizarra mas o filme é uma confusão de intenções e palavreado. Tem bons valores de produção, claro, mas para mim não deixa de ser um filme (muito) mau.

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  2. Acho que acabei por gostar mais do filme do que tu :p Mas admito que o COSMOPOLIS é uma confusão, e que o Cronenberg já fez bem melhor (e logo com valores de produção menores).

    Quanto à objectificação das mulheres, não concordo. Para mim, todas as personagens - incluindo o Packer, aquele bicho-tecnológico meio apático e que controla fortunas sem nunca sair do carro - são tratadas como objectos pela história, minimizadas face a uma sociedade excessivamente capitalista. Se era, ou não, essa a intenção do Cronenberg, isso já não sei; mas foi a sensação com que fiquei após ver o filme.

    De qualquer maneira, é engraçado ver que o Cronenberg motiva discussões sobre a natureza das suas obras mesmo quando elas são piores do que o seu habitual :)

    Cumprimentos cinéfilos,
    António Tavares de Figueiredo
    (Matinée Portuense)

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    1. Realmente é o único filme do Cronenberg que considero estar abaixo de um 7, mas discussão motivam todos :)

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    2. Ainda assim acho o "Spider" dos que menos gosto dele. O "Cosmopolis" classifico-o por 6/10, tal como o seu filme anterior a este (apesar da boa actuação do Fassbender e Keyra, etc - acho que realmente não faz muito pelo assunto... apenas a reprodução realista dos eventos).
      E também nunca fui grande amante da fase inicial dele (identifico-me com o realizador, situando-me pela fase seguinte), mas onde era hiper-criativo na altura e compensava em bizarria arrojada. Longe vão esses tempos...

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    3. Eu adoro o Spider. A Dangerous Method é convencional e mal escrito, mas é Cronenberg do início ao fim, com todo o interesse em psicologia e fisiologia e personagens perturbadas habitual.

      Ainda me falta ver alguns do início, mas o Shivers é incrível.

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    4. Eu também gosto imenso do SPIDER. O A DANGEROUS METHOD foge um bocadinho à norma cronenberguiana, mas os motivos estão todos lá (aquela ideia muito bem definida de deformação física/psicológica). Acabo por gostar menos é do M. BUTTERFLY.

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