Apesar de nunca ter residido num meio rural, sempre tive
família na aldeia, por isso o contacto com este ambiente não me é completamente
estranho, mas não me permito especular sobre o isolamento e o atraso que se
pode sentir nessas condições, muito menos em décadas passadas, onde as tecnologias
triviais de hoje eram uma miragem. Se ainda me lembro de jantar à luz das
velas devido aos constantes apagões em tempos de chuva na década de 80, nem
quero imaginar como seria antes.
Por conseguinte, consigo reconhecer a austeridade e o arcaísmo
de Padre Padrone e associá-los a essas memórias, mas não deixei de ser
surpreendido pela representação do dia-a-dia destes pastores sardenhos, pela
dureza das suas vidas e pelas suas técnicas de combate à monotonia. A pobreza
de uma família que tira o filho da escola primária para cuidar dos rebanhos, a
solidão das incursões prolongadas nas montanhas e a insularidade são realidades
palpáveis e implacáveis.
Gavino é o saco de porrada predilecto do pai, que considera
uma desonra o filho querer estudar e prefere endurecê-lo e educá-lo na sua
profissão, usando métodos como abandoná-lo com as ovelhas à noite ou castigá-lo
por ter medo de uma cobra. Ele cresce e, depois de anos neste marasmo, é
enviado à força pelo pai para o exército, onde aprende a ler e a escrever em
várias línguas e contacta com a música e a electrónica, acabando por decidir
rebelar-se contra o seu destino na terra natal e perseguir uma educação superior.
O feitiço vira-se contra o feiticeiro, de tal forma que esta
história é enquadrada por entrevistas com o autor do livro no qual Padre
Padrone é baseado, ou seja, o verdadeiro Gavino, que acabou por se tornar
escritor. Se estes relatos são verídicos ou ficcionados, se resultam de um
desejo de partilhar experiências ou de expiar frustrações, não sei, o que é
verdade é que os irmãos Taviani não poupam no miserabilismo nem têm qualquer
noção de continuidade e o filme torna-se difícil e aborrecido rapidamente.
Para além de uma das cenas mais bizarras de que tenho
memória, em que crianças cometem actos variados de bestialismo, a violência
doméstica é tão incessante que chega a ser injustificável perante as situações
apresentadas, a mãe parece bipolar e o pai podia inspirar alguma indulgência,
mas não, é impossível, de tão desumano e alarve que é. Se calhar, de outra
forma, Padre Padrone não transmitiria tão bem o quão selvagem a Sardenha parece
ser; essa aspereza impressiona, mas as peças não encaixam todas.
5/10
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