segunda-feira, 9 de setembro de 2013

The Mission (Roland Joffé, 1986)

Um dos poucos filmes de Hollywood relacionados com a história portuguesa, The Mission não pinta um retrato muito abonatório de nenhum dos impérios ibéricos. Compilando episódios que ocorreram no interior da América do Sul durante os séculos XVII e XVIII, durante a cristianização dos povos indígenas da região, gerida por estabelecimentos jesuítas, o argumento do experiente Robert Bolt (Lawrence Of Arabia, A Man For All Seasons) consegue abordar os métodos de aproximação usados pela ordem, os agentes económicos que se tentavam aproveitar disso, os jogos políticos em que a igreja católica participava quando ainda tinham poder para isso e a obsessão de Portugal e Espanha com o comércio.

O que vemos acontecer é que, segundo o Tratado de Madrid (1750), as fronteiras do Brasil foram alargadas e muitas missões foram transferidas para a posse dos primeiros, que na altura, pelos vistos ao contrário dos segundos, ainda autorizavam a escravatura, o que significaria o fim definitivo do trabalho de interacção pacífica que os religiosos estavam a desenvolver. Não querendo explorar a veracidade histórica da cronologia e dos imbróglios que o filme vai apresentando, pois não tenho conhecimento suficiente, devo dizer que é interessante a forma com que as tribos locais aceitam a presença de padres como Gabriel (Jeremy Irons) e reconhecem valor nas suas crenças e ideias ao ponto de reconstruírem a sua sociedade.

Infelizmente, o Vaticano coloca os seus interesses acima da devoção dos seus fiéis e não se opõe à invasão dos esclavagistas, sendo um dos pretextos a ameaça do Marquês de Pombal de expulsar os jesuítas do país, o que viria mesmo a acontecer, tornando o abandono das missões o cúmulo do desperdício, depois de tanto esforço. Os índios sentem-se enganados e é irónico como acabam por respeitar a essência do catolicismo mais do que a instituição que a representa e estão dispostos a lutar por a proteger. Este é o contexto e os padres (cuja bondade e espírito de sacrifício os seus superiores traíram) são meros peões, a quem estão gratos por tudo, incluindo a ajuda para tentar, no fim, evitar o inevitável.

Há planos de uma beleza de cortar a respiração nas florestas do Brasil e não só; então quando estão acoplados ao tema principal de Ennio Morricone, o filme justifica a fama de ser um dos mais grandiosos épicos de sempre. Logo no início, os Guarani crucificam um padre que não deve ter causado uma boa primeira impressão e mandam-no pelas cataratas do Iguaçu abaixo. Uma imagem fortíssima e que faz adivinhar o declínio de princípios da igreja. Esse mesmo cenário é usado várias vezes, incluindo na única cena que merecia ser reescrita – será que ninguém se lembra de travar o exército destruidor que se aproxima quando este tenta chegar à missão escalando as cataratas? Umas pedras já fariam estragos…

Fora isso, Roland Joffé mostra mais segurança aqui e na sua estreia, The Killing Fields (1984), do que em tudo o que fez desde então. Os desastres financeiros que foram Super Mario Bros. (que apenas produziu) e The Scarlett Letter mandaram-no abaixo e nunca mais voltou à ribalta, o que é um desperdício de talento. The Mission equilibra perfeitamente o esplendor visual e os grandes temas com as magistrais interpretações de Irons e Robert De Niro, o inglês com uma calma e uma dignidade a toda a prova e o americano como um herói improvável com inexpugnáveis sentimentos de culpa, que encontra razões para viver graças a Gabriel. Estejam também atentos a um tal de Liam Neeson num papel secundário.

8/10

1 comentário:

  1. Excelente recordação e com mais uma bela banda sonora do mestre Morricone que como dizes quando aliada a determinadas cenas dá uma grande força às imagens

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