Um dos poucos filmes de Hollywood relacionados com a
história portuguesa, The Mission não pinta um retrato muito abonatório de
nenhum dos impérios ibéricos. Compilando episódios que ocorreram no interior da
América do Sul durante os séculos XVII e XVIII, durante a cristianização dos
povos indígenas da região, gerida por estabelecimentos jesuítas, o argumento do
experiente Robert Bolt (Lawrence Of Arabia, A Man For All Seasons) consegue
abordar os métodos de aproximação usados pela ordem, os agentes económicos que se
tentavam aproveitar disso, os jogos políticos em que a igreja católica participava
quando ainda tinham poder para isso e a obsessão de Portugal e Espanha com o
comércio.
O que vemos acontecer é que, segundo o Tratado de Madrid
(1750), as fronteiras do Brasil foram alargadas e muitas missões foram
transferidas para a posse dos primeiros, que na altura, pelos vistos ao
contrário dos segundos, ainda autorizavam a escravatura, o que significaria o
fim definitivo do trabalho de interacção pacífica que os religiosos estavam a
desenvolver. Não querendo explorar a veracidade histórica da cronologia e dos
imbróglios que o filme vai apresentando, pois não tenho conhecimento
suficiente, devo dizer que é interessante a forma com que as tribos locais
aceitam a presença de padres como Gabriel (Jeremy Irons) e reconhecem valor nas
suas crenças e ideias ao ponto de reconstruírem a sua sociedade.
Infelizmente, o Vaticano coloca os seus interesses acima da
devoção dos seus fiéis e não se opõe à invasão dos esclavagistas, sendo um dos
pretextos a ameaça do Marquês de Pombal de expulsar os jesuítas do país, o que
viria mesmo a acontecer, tornando o abandono das missões o cúmulo do desperdício,
depois de tanto esforço. Os índios sentem-se enganados e é irónico como acabam
por respeitar a essência do catolicismo mais do que a instituição que a
representa e estão dispostos a lutar por a proteger. Este é o contexto e os
padres (cuja bondade e espírito de sacrifício os seus superiores traíram) são
meros peões, a quem estão gratos por tudo, incluindo a ajuda para tentar, no
fim, evitar o inevitável.
Há planos de uma beleza de cortar a respiração nas florestas
do Brasil e não só; então quando estão acoplados ao tema principal de Ennio
Morricone, o filme justifica a fama de ser um dos mais grandiosos épicos de
sempre. Logo no início, os Guarani crucificam um padre que não deve ter causado
uma boa primeira impressão e mandam-no pelas cataratas do Iguaçu abaixo. Uma
imagem fortíssima e que faz adivinhar o declínio de princípios da igreja. Esse
mesmo cenário é usado várias vezes, incluindo na única cena que merecia ser
reescrita – será que ninguém se lembra de travar o exército destruidor que se
aproxima quando este tenta chegar à missão escalando as cataratas? Umas pedras
já fariam estragos…
Fora isso, Roland Joffé mostra mais segurança aqui e na sua
estreia, The Killing Fields (1984), do que em tudo o que fez desde então. Os
desastres financeiros que foram Super Mario Bros. (que apenas produziu) e The
Scarlett Letter mandaram-no abaixo e nunca mais voltou à ribalta, o que é um
desperdício de talento. The Mission equilibra perfeitamente o esplendor visual
e os grandes temas com as magistrais interpretações de Irons e Robert De Niro,
o inglês com uma calma e uma dignidade a toda a prova e o americano como um
herói improvável com inexpugnáveis sentimentos de culpa, que encontra razões
para viver graças a Gabriel. Estejam também atentos a um tal de Liam Neeson num
papel secundário.
8/10
Excelente recordação e com mais uma bela banda sonora do mestre Morricone que como dizes quando aliada a determinadas cenas dá uma grande força às imagens
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