quarta-feira, 13 de agosto de 2014

On The Road (Walter Salles, 2012)

O impacto de On The Road é incomensurável e não se limita à literatura. A vivacidade da escrita de Jack Kerouac e os seus relatos de uma juventude despreocupada, libertina mas culta, constantemente a bordo de viagens pelo país ou pelos delírios de todas as drogas possíveis e imaginárias, alargou o imaginário de uma América vasta, atravessada por estradas sem fim à espera de serem desbravadas. Se não fosse On The Road e a geração beat do pós-guerra os The Beatles não teriam o mesmo nome, Easy Rider não teria sido possível e talvez nem os hippies teriam aparecido pois faltar-lhes-ia esta referência dos anos 50.

Desde que saiu, em 1957, que a possibilidade de uma adaptação cinematográfica era explorada. O próprio autor chegou, na altura, a tentar envolver Marlon Brando para ver se o projeto ganhava corpo, mas não se concretizou. Francis Ford Coppola, Gus Van Sant e Joel Schumacher foram, ao longo dos anos, apontados como possíveis realizadores, sendo que o primeiro até detinha os direitos do livro. Curiosamente, este símbolo tão grande da cultura americana materializa-se agora finalmente pelas mãos de um brasileiro, Walter Salles, que com The Motorcycle Diaries no currículo não é nenhum estranho a road movies.

Esta dificuldade em transportar On The Road para outro meio é compreensível: escrito em cerca de 3 semanas num longo rolo de papel, com uma linguagem fluída e cheia de calão, o livro vive das palavras, da falta de história e da descrição de pessoas, paisagens e ambientes. Que o filme consiga apresentar sintonia com o seu ritmo e energia já não é nada mau e, de resto, o próprio realizador parece desculpar-se, ou, no mínimo, pedir para termos expectativas realistas, quando usa uma das personagens, o erudito Old Bull Lee (curta mas agradável aparição de Viggo Mortensen) para reforçar que “as traduções são traições”.

Ao argumentista Jose Rivera calhou então o trabalho mais ingrato. Apesar de ter tomado algumas liberdades quanto às relações de algumas personagens, esses atalhos em nada encobrem a mentalidade excessiva de Sal, Dean ou Marylou (se há alguma crítica justificável, é a falta de carisma de alguns dos actores, Sam Riley excluído, claro), que tentam a todo o custo preencher o vazio que percepcionam ser as suas existências. Essa fúria de viver é jubilosa e triste ao mesmo tempo, e talvez ainda mais sexualizada do que no livro. Tal como nos poemas de Allen Ginsberg (a inspiração para Carlo), há uma rejeição dos tabus.

É verdade que as personagens se banham em hedonismo, mas On The Road é mais do que uma sucessão de cenas de sexo, festas e viagens de carro, é uma geração à procura da sua voz e a encontrá-la sem ter noção, é uma carta aberta à grandeza e franqueza da América, mostrando que o país responsável pelo capitalismo selvagem e os males que daí advêm, ontem como hoje, é o mesmo que nos deu Duke Ellington ou o movimento dos direitos civis. Após 50 anos de gestação, este filme é tão bom quanto poderia alguma vez ser. Sinceramente, acho que, neste caso, é um dos melhores elogios possíveis.

7/10

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