O impacto de On The Road é incomensurável e não se limita à
literatura. A vivacidade da escrita de Jack Kerouac e os seus relatos de uma
juventude despreocupada, libertina mas culta, constantemente a bordo de viagens
pelo país ou pelos delírios de todas as drogas possíveis e imaginárias, alargou
o imaginário de uma América vasta, atravessada por estradas sem fim à espera de
serem desbravadas. Se não fosse On The Road e a geração beat do pós-guerra os
The Beatles não teriam o mesmo nome, Easy Rider não teria sido possível e
talvez nem os hippies teriam aparecido pois faltar-lhes-ia esta referência dos
anos 50.
Desde que saiu, em 1957, que a possibilidade de uma
adaptação cinematográfica era explorada. O próprio autor chegou, na altura, a
tentar envolver Marlon Brando para ver se o projeto ganhava corpo, mas não se
concretizou. Francis Ford Coppola, Gus Van Sant e Joel Schumacher foram, ao
longo dos anos, apontados como possíveis realizadores, sendo que o primeiro até
detinha os direitos do livro. Curiosamente, este símbolo tão grande da cultura
americana materializa-se agora finalmente pelas mãos de um brasileiro, Walter
Salles, que com The Motorcycle Diaries no currículo não é nenhum estranho a
road movies.
Esta dificuldade em transportar On The Road para outro meio
é compreensível: escrito em cerca de 3 semanas num longo rolo de papel, com uma
linguagem fluída e cheia de calão, o livro vive das palavras, da falta de
história e da descrição de pessoas, paisagens e ambientes. Que o filme consiga
apresentar sintonia com o seu ritmo e energia já não é nada mau e, de resto, o
próprio realizador parece desculpar-se, ou, no mínimo, pedir para termos
expectativas realistas, quando usa uma das personagens, o erudito Old Bull Lee
(curta mas agradável aparição de Viggo Mortensen) para reforçar que “as
traduções são traições”.
Ao argumentista Jose Rivera calhou então o trabalho mais
ingrato. Apesar de ter tomado algumas liberdades quanto às relações de algumas
personagens, esses atalhos em nada encobrem a mentalidade excessiva de Sal,
Dean ou Marylou (se há alguma crítica justificável, é a falta de carisma de
alguns dos actores, Sam Riley excluído, claro), que tentam a todo o custo
preencher o vazio que percepcionam ser as suas existências. Essa fúria de viver
é jubilosa e triste ao mesmo tempo, e talvez ainda mais sexualizada do que no
livro. Tal como nos poemas de Allen Ginsberg (a inspiração para Carlo), há uma
rejeição dos tabus.
É verdade que as personagens se banham em hedonismo, mas On
The Road é mais do que uma sucessão de cenas de sexo, festas e viagens de
carro, é uma geração à procura da sua voz e a encontrá-la sem ter noção, é uma
carta aberta à grandeza e franqueza da América, mostrando que o país
responsável pelo capitalismo selvagem e os males que daí advêm, ontem como
hoje, é o mesmo que nos deu Duke Ellington ou o movimento dos direitos civis.
Após 50 anos de gestação, este filme é tão bom quanto poderia alguma vez ser.
Sinceramente, acho que, neste caso, é um dos melhores elogios possíveis.
7/10
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