sábado, 6 de dezembro de 2014

Hadewijch (Bruno Dumont, 2009)

Qualquer interpretação deste filme tem de começar… pelo fim. Céline (Julie Sokolowski) tenta matar-se em duas ocasiões e não é claro se sai com vida de ambas, o que também não ajuda a posicioná-las cronologicamente. A linearidade da história é questionável nos últimos 20 minutos, mas se assumirmos que realmente Hadewijch acaba com um flashback podemos ter aqui um exercício de imaginação do futuro de Mouchette enquanto jovem adulta, caso ela tivesse nascido nos anos 90 e alguém a tivesse tirado do lago a tempo. Dumont inverte o contexto familiar da personagem (o pai não é um alcoólico pobre, antes um ministro pusilânime) e insiste numa problemática religiosa que a criança de Bresson não tinha mas poderia vir a ter.

Se foi possível o título Rebel Without A Cause metamorfosear-se em Fúria de Viver no português, talvez se pudesse traduzir Hadewijch para Fúria de Amar. É a confusão de sentimentos e de sinais que causam essa irritação e os leva a fazer as perguntas e a tomar os caminhos errados. Céline tem apenas certeza de que não encontrará o amor que deseja em prazeres carnais (se continuarmos com a analogia a Mouchette é possível especular que foi vítima de pecados mundanos, o que lhe atribui um determinado nível de perdão católico, cuja manifestação procura). Assim, apenas Jesus a pode preencher e ela pergunta-lhe “porque me obrigas a perseguir-Te incessantemente? Porque foges de mim?”.

A estudante de Teologia é convidada a sair do convento onde estudava por ir longe demais nos seus sacrifícios. As freiras apontam correctamente a falta de humildade e dignidade dos seus actos, mas falham ao interpretá-los como penitências. O interesse de Céline é apenas ver o invisível – o impossível, portanto. De volta a Paris, conhece Yassine, um muçulmano da sua idade, que eventualmente a apresenta ao irmão mais velho, um crente em Maomé que cedo descobrimos não ser tão tolerante quanto parece. De uma religião à outra é apenas um saltinho, porque o extremismo, seja no ódio ou no amor, é cego e qualquer solução fácil se pode maquilhar de certa.

Céline não vê culpados – “Ele apareceu-me com frequência e fez-me perceber o que é amar, e, no entanto, o mundo está cheio de sofrimento” – e Nassir não vê inocentes – “achas que existem inocentes em democracias, onde eleges os teus representantes?”. Ambos cedem ao terrorismo. Pelo meio, David Dewaele tem uma aparição discreta como uma espécie de messias salvador, que é ironicamente mal aproveitado por quem se cruza com ele e pelo argumento. O calculismo e a frieza do estilo de Dumont realçam, mais uma vez, um mundo de vazios, sem respostas da religião, da política, da polícia ou da sociedade para a imigração, para o crime ou para as novas gerações.

7/10

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