quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Faust (Aleksandr Sokurov, 2011)


In Soviet Russia, you don’t see paintings; paintings see you. Bem, a Rússia já não é um estado soviético e, mesmo que fosse, a acção de Faust desenrola-se na Alemanha do séc. XIX, mas a verdade é que este filme de Sokurov parece transportar-nos para um museu de pintura, talvez flamenga, ou melhor ainda, dá o efeito de um museu de pintura flamenga a circundar à nossa volta enquanto estamos sentados numa cadeira e mais do que obrigar-nos a prestar atenção aos contrastes de luz e significados alegóricos, perscruta-nos sub-repticiamente, como que mostrando a descida ao inferno da personagem principal, mas, acima de tudo, perguntando até que ponto qualquer um de nós consegue resistir às tentações do diabo.

O realizador, como bom aluno do mestre Tarokvsky que foi, sempre primou pelo fulgor visual, ou não estivéssemos a falar do homem por detrás de Russian Ark, uma mastodôntica viagem pelo Hermitage contida num único plano-sequência de 96 minutos, mas considero Faust mais multidimensional; a imagem, maioritariamente difusa, captada por filtros que variam na distorção que provocam e na claridade que transmitem, tem uma opressiva qualidade onírica que reflecte a fantasia e o grotesco inerentes a esta lenda, popularizada pela interpretação dramatúrgica de Goethe, de um médico que assina em sangue um contrato com Mefistófeles para obter amor e conhecimento, pagando o preço com a sua alma.

Conto pelos dedos as vezes em que já me senti a imergir tão profundamente no surrealismo de um filme unicamente graças à fotografia como aqui e a intenção desse efeito é mesmo evidenciada por um mergulho dado no rio, arrastando Gretchen, a jovem por quem Faust se baba e cuja inocência fere na tentativa de a possuir. A queda dele causa tanta vertigem que a tela chega a ameaçar rodar sobre um eixo horizontal para o seguir. Faust procura, acima de tudo, poder, e é nessa perspectiva que Sokurov o insere numa tetralogia inaugurada com Moloch, a que se seguiram Taurus e The Sun, com a diferença de esses se focarem em figuras históricas (Hitler, Lenine e Hirohito) cuja corrupção moral teve consequências bem reais.

O seu estilo, contudo, é mais adequado à fábula e revela-se engrandecido com esta mudança. Não mais sob uma influência demasiado ostensiva do seu professor (The Lonely Voice Of Man ou The Second Circle, por exemplo, parecem-me ainda hoje ideias que Tarkovsky mandaria para o lixo), Sokurov encontrou, com o passar do tempo, novos caminhos por onde levar as suas próprias preocupações éticas, familiares e espirituais, ancorando-as também em vagueza narrativa e plasticidade estética. Os diálogos são incessantes e o humor passa frequentemente despercebido, é verdade (há algum no início, talvez extraviado) – mas olhem bem para esta maravilha! In (not-so) Soviet Russia, you don’t speak of the devil; the devil speaks of you.

8/10

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