Certamente já ouviram falar do grande actor polaco Joseph Tura... não?
A sério? Bem, vou tentar relativizar essa falha, visto ele ser uma personagem
ficcional, mas se um dia alguém vos repetir esta pergunta, digam que sim - há
uma grande probabilidade de ser o próprio a fazê-la. Seja no momento de confirmação
do início da 2a Guerra Mundial, seja a tentar extrair informação secreta a um
oficial de topo da Gestapo, nas piores ou mais tensas condições possíveis,
o ego do actor parece sempre insaciável e necessitado de validação.
Claro que as situações são exageradas, mas Lubitsch acreditava (e
falará por experiência própria) que actores são criaturas em constante procura de
atenção, por vezes perdendo noção do mundo que os rodeia. Quando se predispôs a juntar
isto com uma sátira ao regime nazi em 1942, a confusão foi significativa, dada
a ameaça que Hitler representava e os relatos distantes dos horrores em
ocorrência na Europa, apesar da real mestria da tragicomédia de To Be Or Not To
Be.
O próprio pai de Jack Benny, o protagonista, terá odiado a ideia de ver
o filho brincar com uma questão tão séria. Compreensível, mas o tempo
encarrega-se de acalmar os ânimos e trazer objectividade a todas as discussões
e Benny tem aqui, na realidade, o desempenho de uma carreira. Arrogante, mas de
bom fundo, possessivo, sempre preocupado com a possibilidade de a sua mulher o
trair, Tura é um desafio, por exigir interpretações sobre interpretações.
Tentando impedir que um espião germânico trafique mais informação, a
companhia de teatro de Varsóvia improvisa esquemas perigosos de roubo de
identidade e Benny acaba a fazer de Tura a fazer de coronel da Gestapo, quase
conseguindo enganar o vil Professor Siletski, e de Tura a fazer de Professor
Siletski, quase conseguindo enganar o ignorante coronel Ehrhardt. Este jogo de
espelhos torna esta farsa hilariante e excitante de seguir, tanto mais que o
seu falhanço pode resultar em morte.
Não há em To Be Or Not To Be um vestígio de desrespeito pelas vítimas
da guerra, apenas uma tentativa de ridicularizar uma ideologia desumana através
de uma história de equívocos resolvida por um grupo em frequente ilusão,
actores. Como tal, consegue ser leve, ao que não é alheio o toque de Lubitsch
na escrita de superpiadas, ou seja, trabalhar para uma boa piada que é logo
seguida de outra inesperada e ainda melhor, e consciente, em simultâneo, não
fosse o realizador ser um judeu alemão.
Apesar da proeminência do mítico solilóquio de Hamlet a que o título se
refere, usado como senha para os encontros sem consumação da senhora Tura
(Carole Lombard, fantástica de muitas formas) com um jovem aviador, é outra
passagem de Shakespeare que melhor resume o filme, recitada por uma personagem
menor após captura pelas SS: "if you prick us, do we not bleed? If you tickle us, do we not laugh?
If you poison us, do we not die?" Afinal, um audaz apelo à
tolerância.
8/10
Lubitsch é fabuloso, não há filme que tenha visto deste senhor que não me tenha deliciado. E surpreende-me sempre a cada visionamento.
ResponderEliminarCumprimentos,
PMF
Confesso que este é o primeiro filme dele que vejo :P Quais recomendas? O Heaven Can Wait já ficou na mira quando percebi que tinha a Gene Tierney.
EliminarTambém vi poucos dele, confesso. E esse por acaso é um dos que não vi. O Ladrão de Alcova, que vi há pouco tempo, gostei muito. E O Anjo, que é num registo um bocado mais diferente, também é bastante bom. Há muito por descobrir.
EliminarViu ver ao IMDb, O Anjo parece muito interessante, obrigado :)
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