A caça do título é tanto literal
como metafórica. Está presente como uma tradição secular e, seja qual for a
opinião que cada um tem sobre a perpetuação desta actividade enquanto desporto,
nenhum veado morto impressiona tanto como o linchamento psicológico que é feito
a uma pessoa ao longo do filme. Lucas (Mads Mikkelsen) é um educador de
infância a passar por um divórcio algo litigioso, que o afasta cada vez mais do
filho adolescente, apesar da intenção declarada deste em estar mais tempo com o
pai. Leva uma existência minimalista e solitária, impondo distância à
possibilidade de relações futuras, dedicando-se ao trabalho e aos amigos, dos
quais Theo (Thomas Bo Larsen) é o mais próximo. Apesar de serem novos, os
filhos deste já apresentam padrões de comportamento pouco saudáveis, que podem
ser irrisórios e passageiros nas suas idades ou já indiciar os efeitos nocivos
de um casamento com disfuncionalidades que nunca foram amenizadas pela passagem
dos anos. O mais velho é adolescente e parece ter descoberto o maravilhoso
mundo da pornografia virtual, o que é inevitável hoje em dia e dificilmente
preocupante, ao contrário de mostrar imagens de cariz sexual com um amigo à
irmã, que, como evidencia a paranoia que tem de não pisar linhas no chão, é
mais vulnerável e tem dificuldade em processar o que se desenrola à sua volta,
em especial as discussões conjugais quase diárias.
Lucas é, para ela, uma presença constante, um professor e um amigo adulto, por quem, na sua inocência, exterioriza um sentimento infantil de amor, chegando a beijá-lo na boca, levando, de seguida, uma compreensiva lição da impropriedade de tal manifestação, pelo menos com alguém que não seja o pai, a mãe ou um rapaz da turma dela, brinca Lucas. O que se segue é tanto mais preocupante como possível: Klara, abespinhada, inventa uma mentira, diz à directora da escola ter visto o pénis erecto dele e rapidamente se precipita uma abominável campanha de culpabilização à escala da vila inteira, transformando a vida de um homem pacato num inferno. The Hunt é contemporâneo e relevante na medida em que nos obriga a reflectir na quantidade de vezes que outros e nós mesmo julgamos quem nos rodeia com uma velocidade proporcional à da informação (e da desinformação) que, graças às novas tecnologias, nos chega de forma quase imediata.
Basicamente, estará o princípio da presunção de inocência, consagrado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, a tornar-se obsoleto simplesmente porque formamos opiniões mais facilmente, ainda que não necessariamente com maior qualidade, e nos interessa cada vez mais que esta seja ouvida e validada do que… a verdade? Estaremos também a dessensibilizar as crianças e os jovens em relação a conceitos que não têm maturidade para compreender em toda a sua dimensão porque perdemos a capacidade de filtrar o que sabem, ouvem e fazem, e até que ponto isso arrasta ou vem como consequência da desresponsabilização dos pais? A personagem de Mikkelsen é levada ao extremo da desconsideração por pessoas que o conheceram toda a vida e conta pelos dedos aqueles que acreditam em si. Apesar de perder a descompostura num local que supostamente exige respeito, uma igreja, é de longe o mais civilizado que lá se encontra sentado, o que sublinha a universalidade da hipocrisia, e acabamos por apoiar o resvalo para o confronto físico, depois de tanta complacência. Afinal, também somos animais. É verdade que o tema da pedofilia não é novidade para Vinterberg, mas os conflitos apresentados em The Hunt fazem Festen parecer unidimensional, por comparação. Um filme com uma narrativa poderosíssima.
Lucas é, para ela, uma presença constante, um professor e um amigo adulto, por quem, na sua inocência, exterioriza um sentimento infantil de amor, chegando a beijá-lo na boca, levando, de seguida, uma compreensiva lição da impropriedade de tal manifestação, pelo menos com alguém que não seja o pai, a mãe ou um rapaz da turma dela, brinca Lucas. O que se segue é tanto mais preocupante como possível: Klara, abespinhada, inventa uma mentira, diz à directora da escola ter visto o pénis erecto dele e rapidamente se precipita uma abominável campanha de culpabilização à escala da vila inteira, transformando a vida de um homem pacato num inferno. The Hunt é contemporâneo e relevante na medida em que nos obriga a reflectir na quantidade de vezes que outros e nós mesmo julgamos quem nos rodeia com uma velocidade proporcional à da informação (e da desinformação) que, graças às novas tecnologias, nos chega de forma quase imediata.
Basicamente, estará o princípio da presunção de inocência, consagrado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, a tornar-se obsoleto simplesmente porque formamos opiniões mais facilmente, ainda que não necessariamente com maior qualidade, e nos interessa cada vez mais que esta seja ouvida e validada do que… a verdade? Estaremos também a dessensibilizar as crianças e os jovens em relação a conceitos que não têm maturidade para compreender em toda a sua dimensão porque perdemos a capacidade de filtrar o que sabem, ouvem e fazem, e até que ponto isso arrasta ou vem como consequência da desresponsabilização dos pais? A personagem de Mikkelsen é levada ao extremo da desconsideração por pessoas que o conheceram toda a vida e conta pelos dedos aqueles que acreditam em si. Apesar de perder a descompostura num local que supostamente exige respeito, uma igreja, é de longe o mais civilizado que lá se encontra sentado, o que sublinha a universalidade da hipocrisia, e acabamos por apoiar o resvalo para o confronto físico, depois de tanta complacência. Afinal, também somos animais. É verdade que o tema da pedofilia não é novidade para Vinterberg, mas os conflitos apresentados em The Hunt fazem Festen parecer unidimensional, por comparação. Um filme com uma narrativa poderosíssima.
9/10
Um dos melhores que vi ano passado!
ResponderEliminarO Festen não vi, mas a narrativa deste é fortíssima sim senhor.
ResponderEliminarAbraço
Não sou fã do Dogme 95. Este filme mostra, mais uma vez, que foi uma pena o Vinterberg ter perdido tanto tempo a ligar-se ao von Trier, quando é muito melhor.
EliminarÉ um filmaço, na minha opinião melhor que "Festa de Família".
ResponderEliminarVinterberg também teve um trabalho em Hollywood com o razoável "Dear Wendy".
Abraço
Meh, sim, mas agora com este e o Submarino está em melhor plano :)
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