quinta-feira, 6 de março de 2014

The Hunt (Thomas Vinterberg, 2012)

A caça do título é tanto literal como metafórica. Está presente como uma tradição secular e, seja qual for a opinião que cada um tem sobre a perpetuação desta actividade enquanto desporto, nenhum veado morto impressiona tanto como o linchamento psicológico que é feito a uma pessoa ao longo do filme. Lucas (Mads Mikkelsen) é um educador de infância a passar por um divórcio algo litigioso, que o afasta cada vez mais do filho adolescente, apesar da intenção declarada deste em estar mais tempo com o pai. Leva uma existência minimalista e solitária, impondo distância à possibilidade de relações futuras, dedicando-se ao trabalho e aos amigos, dos quais Theo (Thomas Bo Larsen) é o mais próximo. Apesar de serem novos, os filhos deste já apresentam padrões de comportamento pouco saudáveis, que podem ser irrisórios e passageiros nas suas idades ou já indiciar os efeitos nocivos de um casamento com disfuncionalidades que nunca foram amenizadas pela passagem dos anos. O mais velho é adolescente e parece ter descoberto o maravilhoso mundo da pornografia virtual, o que é inevitável hoje em dia e dificilmente preocupante, ao contrário de mostrar imagens de cariz sexual com um amigo à irmã, que, como evidencia a paranoia que tem de não pisar linhas no chão, é mais vulnerável e tem dificuldade em processar o que se desenrola à sua volta, em especial as discussões conjugais quase diárias.

Lucas é, para ela, uma presença constante, um professor e um amigo adulto, por quem, na sua inocência, exterioriza um sentimento infantil de amor, chegando a beijá-lo na boca, levando, de seguida, uma compreensiva lição da impropriedade de tal manifestação, pelo menos com alguém que não seja o pai, a mãe ou um rapaz da turma dela, brinca Lucas. O que se segue é tanto mais preocupante como possível: Klara, abespinhada, inventa uma mentira, diz à directora da escola ter visto o pénis erecto dele e rapidamente se precipita uma abominável campanha de culpabilização à escala da vila inteira, transformando a vida de um homem pacato num inferno. The Hunt é contemporâneo e relevante na medida em que nos obriga a reflectir na quantidade de vezes que outros e nós mesmo julgamos quem nos rodeia com uma velocidade proporcional à da informação (e da desinformação) que, graças às novas tecnologias, nos chega de forma quase imediata.

Basicamente, estará o princípio da presunção de inocência, consagrado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, a tornar-se obsoleto simplesmente porque formamos opiniões mais facilmente, ainda que não necessariamente com maior qualidade, e nos interessa cada vez mais que esta seja ouvida e validada do que… a verdade? Estaremos também a dessensibilizar as crianças e os jovens em relação a conceitos que não têm maturidade para compreender em toda a sua dimensão porque perdemos a capacidade de filtrar o que sabem, ouvem e fazem, e até que ponto isso arrasta ou vem como consequência da desresponsabilização dos pais? A personagem de Mikkelsen é levada ao extremo da desconsideração por pessoas que o conheceram toda a vida e conta pelos dedos aqueles que acreditam em si. Apesar de perder a descompostura num local que supostamente exige respeito, uma igreja, é de longe o mais civilizado que lá se encontra sentado, o que sublinha a universalidade da hipocrisia, e acabamos por apoiar o resvalo para o confronto físico, depois de tanta complacência. Afinal, também somos animais. É verdade que o tema da pedofilia não é novidade para Vinterberg, mas os conflitos apresentados em The Hunt fazem Festen parecer unidimensional, por comparação. Um filme com uma narrativa poderosíssima.

9/10

5 comentários:

  1. O Festen não vi, mas a narrativa deste é fortíssima sim senhor.

    Abraço

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    1. Não sou fã do Dogme 95. Este filme mostra, mais uma vez, que foi uma pena o Vinterberg ter perdido tanto tempo a ligar-se ao von Trier, quando é muito melhor.

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  2. É um filmaço, na minha opinião melhor que "Festa de Família".

    Vinterberg também teve um trabalho em Hollywood com o razoável "Dear Wendy".

    Abraço

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    1. Meh, sim, mas agora com este e o Submarino está em melhor plano :)

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