Daniel Radcliffe interpreta um órfão
- o alcance deste rapaz é incrível. Pelo menos o casting não podia ter corrido
melhor, é difícil negar o seu talento para este tipo de papéis e a sua presença
em nada minimiza o filme, antes pelo contrário. December Boys trata de um
orfanato católico, perdido no interior da Austrália nos anos 60, que passa a
ter a possibilidade de mandar de férias os seus inquilinos, para uma pequena
localidade piscatória. Os primeiros a embarcar nessa oportunidade inédita de
viajarem até à costa são os 4 miúdos com aniversário em Dezembro, ou seja,
Maps, Misty, Sparks e Spit.
A história é narrada pelo segundo,
idoso e fora de câmara, como que recontando a sua infância ingénua e invulgar a
uns possíveis netos. O filme começa por mostrar, com agradável neutralidade, a
calma vida no asilo, onde, apesar das regras das freiras, não deixava de haver
espaço para se crescer saudavelmente e para comportamentos transgressivos de
vez em quando, que também fazem parte da idade. Não vilificar este ambiente é
uma decisão acertada quando é suposto a nostalgia mostrar o caminho, e desde
cedo vieram-me à memória Picnic At Hanging Rock e Walkabout.
Alegres mas confinados e alojados
no meio de nenhures, sair dali temporariamente é uma ideia que nunca deixa de
fascinar os amigos, mas essa gratidão pela oportunidade é demais evidente durante
a travessia pelo deserto até ao mar, em que belas imagens do território
australiano se sucedem, evocando a imensidão do mesmo. Misty arregala os olhos
sonhadores atrás dos óculos. Nem 10 pessoas moram na baía que os acolhe e 2
delas são o bondoso casal McAnsh, que lhes oferecem residência e disciplina
suficiente para contrabalançar a liberdade inédita.
Enquanto os mais jovens, em
especial Misty, orientam esforços para que um deles possa ser adotado pela
francófona Teresa e o motoqueiro circense Fearless, um par amoroso impedido de
ter filhos, a atenção de Maps, mais velho e noutra fase do seu crescimento, é
desviada para uma rapariga, Lucy. Todo o embaraço característico de Daniel
Radcliffe se adequa à personagem, vê-se logo no primeiro contacto que tem com
Teresa (saindo da água, nua, para oferecer aos miúdos protetor solar). Está em
idade de começar a interessar-se pelo sexo feminino mas é demasiado desajeitado,
pela falta de prática.
O argumento consegue ser meigo
mesmo quando confronta as vivências infantis do quarteto com temas menos
inócuos, como o cancro. Estabelece também com sucesso a amizade forte que une
os órfãos e mesmo quando se desentendem parece que nunca perdem noção de que
estão no mesmo barco. Chega a ser especialmente tocante a forma como acabam por
apoiar Misty para que este ganhe os pais por que sempre desejou. É nesta altura
que há uma reviravolta que estraga toda a experiência do filme, com Misty a
preferir voltar para as freiras depois de tantas preces para ser abençoado com
a família perfeita.
Tudo indicia a permanência de
Misty na baía, passamos todo o tempo a desejar que seja adotado, porque é o que
ele quer e merece, para, no fim, ele rejeitar isso tudo e é suposto
aceitarmo-lo com a maior leveza e compreensão possíveis. Nunca vi um filme
criar tanta expectativa e depois dizer "meh, deixem lá, se calhar é melhor
continuar como estava". É um desperdício da simpatia dos atores e da
fotogenia da Austrália. Ficam as brincadeiras no areal, os primeiros beijos e
amores, o potencial de Daniel Radcliffe e Teresa Palmer, o espírito de
inocência e descoberta, tão difícil de descrever, tão bem captado aqui.
6/10
Sem comentários:
Enviar um comentário