É impressionante a dimensão que os últimos filmes do Batman atingiram, não
só em termos de bilheteiras, sendo que The Dark Knight Rises é o segundo desta
trilogia a ultrapassar os mil milhões de lucros, mas especialmente em termos de
alcance e espetacularidade. Lembro-me de este ser o meu super-herói preferido
quando era mais novo, em parte porque os seus únicos superpoderes são o treino
físico e a engenharia, em parte porque Gotham sempre me pareceu o sítio mais
negro e mais perigoso à face da terra. Lembro-me de quadradinhos cheios de
sombras e sangue, ruas imundas e vilões desfigurados. Lembro-me de achar que,
mesmo não desgostando do que o Tim Burton tinha feito, ainda estava para vir o
dia em que algum filme conseguisse captar o negrume e o sentido de ameaça
constante que transbordava da banda-desenhada. Hoje já não posso dizer o mesmo
nesse aspecto.
Oito anos depois dos eventos de The Dark Knight, a cidade está em paz.
Harvey Dent tornou-se um mártir da luta contra o crime e Batman um vilão
inexplicavelmente desaparecido. Na realidade, as provações do passado
debilitaram Bruce Wayne física e psicologicamente, mas os prenúncios de uma
"tempestade" preocupam-no. O submundo agita-se e, nos esgotos, um
antigo membro da Liga das Sombras, Bane, coordena um novo movimento terrorista.
Como Christopher Nolan admitiu, o tema predominante é a dor, e é de admirar que
a maior extravagância de efeitos especiais da sua carreira acabe também por ser
uma das mais dramáticas. A morte de Rachel parece insuperável, a intrepidez e
força de Bane revelam-se avassaladoras e a vontade de Alfred de proteger o seu
último amo de andanças que este poderá não mais aguentar levam Wayne a bater no
fundo em muitos sentidos.
Michael Caine tem mesmo a melhor interpretação aqui, com a personagem menos
glamorosa de todas mas a que esteve sempre mais próximo do herói do que
qualquer outra e consegue portanto prever com mais claridade que ninguém o
pior. Comunicar os seus receios, empilhados durante anos de serviço, com a
emoção de quem se preocupa e quer o melhor, e receber incompreensão como
resposta é a cena mais simples e mais visceral de todas. Esta é a grande
diferença em relação a The Dark Knight: o incessante jogo de gato e rato com o
Joker é substituído por uma procissão de eventos com destino a um apocalipse,
trazendo uma implacabilidade sem precedentes. É verdade que este salto de uma
rivalidade mitológica passível de ser prolongada ad infinitum para uma
conclusão pode ser demasiado definitivo num universo com tantas histórias, mas
não deixa de ser arrojado e lógico.
Desde o espectacular assalto a um avião da CIA às visões mais cataclísmicas
de Gotham (maioritariamente Nova Iorque, assumido sem pudor com establishing
shots do novo World Trade Center) é notório quão mais elevada é a parada para
os seus cidadãos, o caos já não é suficiente, o objectivo de Bane é a
destruição através da tortura, o combate de Batman e dos seus aliados, novos e
antigos, não é só contra o crime, mas contra a revolução, e há escolhas para
serem feitas. Aqui entra em evidência o maior triunfo de Nolan, que se serve da
intemporalidade de uma cidade ficcional permanentemente dividida entre forças
do mal palpáveis por se reduzirem a formas tão reais de corrupção (na economia,
na política, etc.) e violência (com criminosos de meia tigela, assaltantes de
bancos, etc.) e forças do bem credíveis por se reduzirem a polícias comuns ou a
um mascarado tão humano, para a dotar de uma subversiva contemporaneidade.
Com os países ocidentais em recessão, as suas sociedades em estagnação
cultural e as populações em clivagem de 99% contra 1%, são tempos de
incertezas. Bane é um beco sem saída, que oferece um meio de libertar
frustrações mas nenhuma solução sustentável. Selina Kyle (Anne Hathaway
perfeita para o papel), avisa Wayne de que, em breve, os ricalhaços como ele
vão ser confrontados com o facto de viverem em abundância enquanto o resto tem
de remediar, por regra. Ver a bolsa ser destruída por metralhadoras pode ser
doentiamente satisfatório. Sendo o capitalismo a base do nosso sistema, é um
pensamento assustador. The Dark Knight Rises não precisava de ser um fim, mas,
a sê-lo, faz a ponte que se impunha até Batman Begins e desenvolve-se com uma
ambição enorme, que Nolan gere com a sua lacónica competência. É o meu preferido
da trilogia.
9/10
Muito bom filme. É impossível não se gostar. É um grande trabalho de um grande realizador. Um simples filme de Batman tornado numa grande obra.
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