domingo, 9 de setembro de 2012

Zero For Conduct (Jean Vigo, 1933)


Talvez Jean Vigo tenha sido o pioneiro do realismo poético francês no cinema dos anos 30. Afinal, apesar da sua morte prematura aos 29, tendo apenas uma longa-metragem no currículo, apesar das dificuldades que encontrou para financiar os seus projectos e apesar da relativamente baixa popularidade dos seus trabalhos na altura de lançamento, só algum tempo depois de Zero For Conduct sair é que começaram a aparecer outros filmes com o mesmo sentido estético, acessível mas por vezes propositadamente artificial e lírico, como Pépé Le Moko (Julien Duvivier, 1937), La Bête Humaine (Jean Renoir, 1938) e Le Quai Des Brumes (Marcel Carné, 1938).

Baseado nas suas próprias experiências em internatos masculinos, sinal prematuro de um autor em potência, Vigo desenvolve em 41 minutos um retrato que consegue ter tanto de escrutinador como de melancólico, e onde a sua ilimitada criatividade e jovialidade estão em exposição, à medida que 4 rapazes se divertem ao longo do ano a planear gloriosas diabruras e vão sendo punidos por elas com a rigidez das regras da instituição que os acolhe. A aproximação do dia de celebração do aniversário da escola perfila-se como a oportunidade perfeita para o derradeiro acto de rebeldia contra a repressão adulta, personagens patéticas sem fogo de vida.

O que é mais impressionante nesta curta são os pequenos pormenores de realização, alguns dos quais custa a crer que alguém possa ter imaginado há tantas décadas atrás, sendo o mais óbvio a inclusão de animação. O professor mais liberal do colégio tenta esquissar um banhista ao mesmo tempo que faz o pino sobre a sua secretária e a turma faz trinta por uma linha na sala. Outro responsável interrompe a aula e, na folha, o cartoon perde o fato-de-banho e a bóia e transforma-se numa figura mais respeitável, em muito parecida com o ditador Napoleão. Hoje vemos a influência destes segundos de filme em Kill Bill (Quentin Tarantino, 2003-04) ou Harry Potter And The Deathly Hallows (David Yates, 2010-11).

Aliás, a anarquia da infância, misturada com uma grande ingenuidade relativamente ao mundo em redor, as salas de aula barulhentas, as desobediências ao autoritarismo, a por vezes cruel honestidade das crianças, tornou-se de tal forma num tema recorrente, até num dos clássicos de outra onda cinemática conterrânea posterior, Les 400 Coups (François Truffaut, 1959), que a pretensão semiautobiográfica de Vigo se assume agora como visionária. Apesar da selecção estranha de planos aqui e ali (close-ups desnecessários e mais), as ideias do realizador, que se estendem também ao uso de slow-motion para um ambiente mais surreal e nostálgico, são ainda hoje replicadas e eficazes.

O tom humorístico também ainda não perdeu o seu efeito. Talvez os homens sejam mesmo mais primitivos e coisas como chatear amigos que estão na sanita ou ver anões rezingões terão sempre piada, seja em mil novecentos e troca o passo ou no século XXI, seja com 8 ou 80 anos, mas a verdade é que Zero For Conduct consegue sacar gargalhadas. Quando não é assim, obriga, pelo menos, a fantasiar com tempos idos, de maior inocência, porque, acima de tudo, fica a melancolia. Acaba por ser frustrante que não seja mais longo e gostaria de ver os miúdos em ambiente familiar, no fundo mais espessura na história, mas reconheço que o objectivo não é esse - apenas recordar, com saudade.

8/10

Sem comentários:

Enviar um comentário