Talvez Jean Vigo tenha sido o pioneiro do realismo poético francês no
cinema dos anos 30. Afinal, apesar da sua morte prematura aos 29, tendo apenas
uma longa-metragem no currículo, apesar das dificuldades que encontrou para
financiar os seus projectos e apesar da relativamente baixa popularidade dos
seus trabalhos na altura de lançamento, só algum tempo depois de Zero For
Conduct sair é que começaram a aparecer outros filmes com o mesmo sentido
estético, acessível mas por vezes propositadamente artificial e lírico, como
Pépé Le Moko (Julien Duvivier, 1937), La Bête Humaine (Jean Renoir, 1938) e Le
Quai Des Brumes (Marcel Carné, 1938).
Baseado nas suas próprias experiências em internatos masculinos, sinal
prematuro de um autor em potência, Vigo desenvolve em 41 minutos um retrato que
consegue ter tanto de escrutinador como de melancólico, e onde a sua ilimitada
criatividade e jovialidade estão em exposição, à medida que 4 rapazes se
divertem ao longo do ano a planear gloriosas diabruras e vão sendo punidos por
elas com a rigidez das regras da instituição que os acolhe. A aproximação do
dia de celebração do aniversário da escola perfila-se como a oportunidade
perfeita para o derradeiro acto de rebeldia contra a repressão adulta,
personagens patéticas sem fogo de vida.
O que é mais impressionante nesta curta são os pequenos pormenores de
realização, alguns dos quais custa a crer que alguém possa ter imaginado há
tantas décadas atrás, sendo o mais óbvio a inclusão de animação. O professor
mais liberal do colégio tenta esquissar um banhista ao mesmo tempo que faz o
pino sobre a sua secretária e a turma faz trinta por uma linha na sala. Outro
responsável interrompe a aula e, na folha, o cartoon perde o fato-de-banho e a bóia
e transforma-se numa figura mais respeitável, em muito parecida com o ditador
Napoleão. Hoje vemos a influência destes segundos de filme em Kill Bill
(Quentin Tarantino, 2003-04) ou Harry Potter And The Deathly Hallows (David
Yates, 2010-11).
Aliás, a anarquia da infância, misturada com uma grande ingenuidade
relativamente ao mundo em redor, as salas de aula barulhentas, as
desobediências ao autoritarismo, a por vezes cruel honestidade das crianças,
tornou-se de tal forma num tema recorrente, até num dos clássicos de outra onda
cinemática conterrânea posterior, Les 400 Coups (François Truffaut, 1959), que
a pretensão semiautobiográfica de Vigo se assume agora como visionária. Apesar
da selecção estranha de planos aqui e ali (close-ups desnecessários e mais), as
ideias do realizador, que se estendem também ao uso de slow-motion para um
ambiente mais surreal e nostálgico, são ainda hoje replicadas e eficazes.
O tom humorístico também ainda não perdeu o seu efeito. Talvez os
homens sejam mesmo mais primitivos e coisas como chatear amigos que estão na
sanita ou ver anões rezingões terão sempre piada, seja em mil novecentos e
troca o passo ou no século XXI, seja com 8 ou 80 anos, mas a verdade é que Zero
For Conduct consegue sacar gargalhadas. Quando não é assim, obriga, pelo menos,
a fantasiar com tempos idos, de maior inocência, porque, acima de tudo, fica a
melancolia. Acaba por ser frustrante que não seja mais longo e gostaria de ver
os miúdos em ambiente familiar, no fundo mais espessura na história, mas
reconheço que o objectivo não é esse - apenas recordar, com saudade.
8/10
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