Território fértil em criatividade e fantasia, a ficção de contornos góticos
foi uma influência óbvia na série Harry Potter, desde os cenários e ambientes
replicados à abundância de sotaques britânicos, em que sucessivas reviravoltas
amplificavam a urgência de combater forças do mal em rápido crescimento e, por
conseguinte, cada vez mais assustadoras. The Woman In Black, um genuíno conto
de terror no virar do século XIX, é o passo em frente mais lógico e sustentável
que Daniel Radcliffe podia ter desejado para a sua carreira cinematográfica.
Ainda que o tom e a austeridade do sétimo e último capítulo da saga do feiticeiro
com uma cicatriz em forma de relâmpago na testa sejam incomparáveis com o
primeiro, é aqui e agora que o actor amadurece e constrói por cima do que já
fez. Sempre em luto, mas agora pai viúvo em vez de adolescente órfão, Radcliffe
é Arthur Kipps, um solicitador especializado em testamentos, incumbido de
organizar a papelada existente numa mansão abandonada que tem de ser vendida,
na costa nordeste inglesa, tendo para isso de deixar o filho em Londres com uma
ama por uns dias.
Numa sequência inicial capaz de rivalizar com a de Antichrist (Lars von
Trier, 2009) para o prémio de mais deprimente de sempre, percebemos que todas
as crianças da história estão sob ameaça de morte, restando saber de quem e
porquê. Em Crythin Grifford, a população acha que as respostas estão na casa,
pelo que a presença de Kipps, prestes a remexer no passado, não é bem vista. O
seu único conforto é o cepticismo do Sr. Daily, o ricaço da região, que se
recusa a acreditar em histórias de fantasmas, apesar de ter sido directamente
afectado pela alta taxa de mortalidade infantil da vila.
Kipps não é tão seguro de si mesmo e a verdade é que, aberta a residência, os
encontros paranormais e os acontecimentos macabros sucedem-se. O realizador
James Watkins não é estranho a este género e o entusiasmo e a segurança com que
cria e explora o sentimento do medo está bem vincado numa set-piece genial de
20 minutos do protagonista a explorar a Eel Marsh House à noite. É como uma
viagem numa casa assombrada, desprovida de diálogos, com iluminação frouxa e
uma parafernália infinita de sustos, a fazer lembrar filmes mudos tipo Vampyr
(Carl Th. Dreyer, 1932).
Há muito que não saltava tantas vezes da cadeira. A qualidade estende-se a
todos os níveis de produção, da fotografia (fantásticas as visões no nevoeiro e
as primeiras imagens dos pântanos da zona), ao guarda-roupa e design (que
contribuem para uma reconstituição irrepreensível da época, aparecendo com
destaque pormenores como o advento do automóvel, que ainda confunde alguns
populares mas ajuda Kipps a resolver o mistério principal, e a escultura
fúnebre Angel Of Grief de William Wetmore Story, 1894). Mas, claro, quem
carrega o filme é Radcliffe.
Não é difícil prever-lhe um futuro de sucesso, não pela fama atingida ao
tornar-se a cara de um fenómeno literário, mas porque há uma certa dignidade na
sua postura abatida e olhar triste, como o próprio filho no filme chega a
notar, através dos seus desenhos, que faz dele perfeito para estes papéis.
Quanto à mulher de preto, é uma personagem amarga. Não há nada pior que perder
alguém que amamos, e o negrume da sua história invade todos os frames, excepto
talvez os últimos, em que um sorriso aparece, deixando-nos cara a cara com uma
resolução emocional ambígua - o que se impõe em elucubrações místicas.
9/10
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