Sasha Baron Cohen não é conhecido pela sua subtileza e, sob essa
perspectiva, The Dictator não desaponta. Depois de Ali G, Borat e Brüno, tudo
personagens anteriormente em destaque no programa televisivo Da Ali G Show que
tiveram direito a filmes próprios, o Almirante General Aladeen, líder supremo
da ficcional República de Wadiya, é a primeira instância de um veículo
primariamente cinematográfico na carreira do cómico britânico. Perdido está o
estilo documental escolhido para adornar os seus dois últimos argumentos,
adequado para seguir as aventuras e desventuras de um ingénuo jornalista
cazaque obcecado com Pamela Anderson ou de um extravagante repórter austríaco
pelo mundo da moda, mas que não faria tanto sentido na presença de uma história
menos episódica e mais convencional (mas nem por isso menos atrevida) como a de
The Dictator.
Depois de uma introdução inicial hilariante em jeito de biografia da
personagem principal, que inclui uma entrevista com Larry King sobre um suposto
programa atómico (não sei porquê, parece-me familiar) e um vislumbre da Plaza
de España de Sevilha transformada num palácio presidencial no meio do deserto
com cúpulas islâmicas nas torres, percebemos que as Nações Unidas acabam de
ameaçar Aladeen com acções militares caso este não desista, de uma vez por
todas, de querer desenvolver bombas atómicas. Determinado a fazer vencer a sua
vontade no mundo como faz no seu país natal, viaja para Nova Iorque, onde é
vítima de uma conspiração destinada a derrubá-lo e a empossar o seu tio Tamir
(Ben Kingsley, sempre a manter a posse de estadista que falta ao sobrinho
barbudo). Seria o fim da tirania e o início da democracia na nação africana,
uma heresia que tem de ser travada, pois o povo de Wadiya adora ser oprimido.
Perdido numa terra estranha, Aladeen é obrigado pelas circunstâncias a
misturar-se, a ser menos racista, a ser menos sexista, a confiar em terceiros,
a trabalhar, no fundo a confrontar a sua própria solidão e ridicularia: é um homem
que toda a vida teve tudo o que queria, todos os caprichos atendidos, mas sem
alguém para amar, e é um líder respeitado apenas superficialmente, adorado como
um ídolo falso, arauto da ameaça e do medo. Aliás, o seu distanciamento da realidade
é tal que se reflecte não só numa evidente falta de compreensão da vida dos
seus súbditos como até na aparente dificuldade de processar o conceito de morte,
por exemplo. Aladeen e Borat estão unidos pela extrema ingenuidade, a diferença
sendo que o primeiro parece muito mais perigoso e ambíguo pelo poder que tem e
pelas questões sociais e geopolíticas a que alude.
Espaço para a sátira é o que separa The Dictator dos três filmes anteriores
com Cohen como protagonista. Do seu talento enquanto actor nunca houveram
grandes dúvidas. Do seu timing cómico e capacidade de chocar muito menos. No
entanto, sempre me perguntei se alguma vez conseguiria dar substrato às suas
piadas e deixar de ser excessivo sem propósito. O discurso que pretende realçar
as diferenças entre Wadiya e os EUA mas que acaba por os aproximar
("imaginem se a América fosse uma ditadura: podiam deixar 1% das pessoas
ter toda a riqueza, podiam ignorar as necessidades dos pobres (...), podiam
torturar prisioneiros estrangeiros") é magistral em provar que sim. Claro
que não deixamos de ter linhas com contornos ofensivos ("vais ter um
menino ou um aborto?") e cenas de humor duvidoso (o general e a sua
apaixonada a trocarem olhares enquanto realizam um parto vem-me à mente), é
impossível seguir Cohen por todos os caminhos que ele escolhe, mas não escondo
o sentimento de satisfação pela sua descoberta de mais equilíbrio e sagacidade.
Ganham também com isso o filme e o espectador.
7/10
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