Aquele que é hoje recordado como o maior escândalo
presidencial da história dos EUA começou por ser apenas mais um quadrado de
texto no meio dos jornais. A 17 de Junho de 1972, cinco homens eram apanhados
por um guarda nocturno a vasculhar a sede de campanha do Partido Democrata no
edifício Watergate, meses antes da eleição que oporia o incumbente Richard
Nixon a George McGovern. Logo a abrir, All The President’s Men deixa no ar uma
atmosfera cortante de silêncio e suspeita, com a recriação do assalto e do
julgamento subsequente – a falta de atenção mediática dada ao primeiro e a
celeridade na resolução do segundo são de uma estranheza alarmante, é óbvio que
algo ali não bate certo e ver Robert Redford aparecer disfarçado de Bob Woodward,
na altura jornalista novato do Washington Post, partilhar dessa ansiedade, que
perpassa da naturalidade com que esses acontecimentos se sucedem, é um alívio.
Woodward dedica-se a fazer perguntas indiscretas, pessoal ou
telefonicamente, e as respostas que recebe rapidamente o levam a partidários
republicanos de alto calibre com ligações à CIA e responsáveis pela gestão e
pela tesouraria do Comité de Reeleição do Presidente. Todavia, a inexperiência afiança-lhe
pouca atenção para tal história e quando é surpreendido com o interesse do seu
colega Carl Bernstein (Dustin Hoffman) procura com relutância mas humildade
fundar uma parceria, que se viria a revelar frutífera e objecto de receio e inveja.
A integridade do par, acoplada com uma curiosidade característica dos melhores
jornalistas de investigação, garante-lhes entrevistas reveladoras com
funcionários coagidos por forças poderosas e obscuras, que são usadas em
artigos sem referências às fontes de informação, uma decisão que os coloca
constantemente em rota de colisão com os editores.
Felizmente, encontram aliados dentro e fora do jornal que os
incentivam a perseguir a verdade, ainda que com a gravidade de quem,
instintivamente, começa a antecipar o “longo pesadelo nacional” (expressão que
Gerald Ford usaria para descrever o escândalo de Watergate anos depois, no seu
perdão a Nixon pelo mal que fizera à América, decisão ainda hoje controversa)
que poderia estar a vir à tona. Afinal, como o título indica, é um filme sobre
homens, uns empedernidos pelos lucros que retiraram das imperfeições do
sistema, alguns tergiversantes graças à falta de esperança na democracia, outros incorruptíveis perante o desafio de assegurar que a corrupção e a mentira não
têm lugar numa nação civilizada. É o grande trunfo do inovador argumento de
William Goldman (um dos melhores de sempre): não há contemplações nem catarses,
apenas a rispidez do trabalho e a solenidade da justiça.
Porque em tempos de sonegação e ameaças, falar é um acto de
coragem, All The President’s Men não se desvia do incansável esforço de
Woodward e Bernstein, que não param mesmo sabendo que as suas vidas podem estar
em perigo por exporem as ligações dos serviços secretos e do presidente a
escutas ilegais, esquemas de lavagem de dinheiro e encobrimento da tentativa de
roubo de dados e documentos por detrás do caso Watergate. Isto, claro,
assumindo a ajuda preciosa de Deep Throat, alcunha da fonte principal dos
jornalistas, cuja identidade só foi revelada em 2005. Os encontros numa garagem
mal iluminada são cenas icónicas, momentos simples de revelação que carregam um
simbolismo poderosíssimo. Metódico, realista e com um elenco de luxo, All The
President’s Men é obrigatório e a sua abordagem “no bullshit” uma influência para
David Fincher, Tony Gilroy e muitos outros.
8/10
Grande filme e uma aula de jornalismo.
ResponderEliminarAbraço