Yol acaba com um agradecimento a todos os que nele
participaram, à frente e atrás das câmaras, superando as grandes contrariedades naturais e sociais que dificultaram a sua execução. Quanto às primeiras, na
altura em que esta mensagem aparece já terá ficado patente os sacrifícios que
devem ter sido feitos para conseguir gravar todas as cenas, que incluem
passagens por prisões de alta segurança, aldeias no deserto e trilhos nas
montanhas mais remotas e com condições atmosféricas mais adversas que se pode
conceber. Relativamente à segunda parte, é acima de tudo uma referência ao facto
de Yilmaz Güney, argumentista/realizador curdo, estar preso na altura e de as
filmagens terem sido secretas e coordenadas pelo seu assistente, Serif Gören.
Com o golpe de estado de 1980 na Turquia, Güney conseguiu
fugir para a Suiça no ano seguinte, onde montou o filme, que viria a ganhar a
Palma de Ouro no festival de Cannes. É sobre essa época conturbada que se foca
a história, na qual vários reclusos da prisão de Imrali (a mesma de Midnight
Express) recebem licença de saída jurisdicional. A quantidade de personagens
que somos levados a seguir acaba por ser a sua principal força e fraqueza,
porque vemos vários lados e perspectivas dos conflitos que se propagavam por
todo o país (chegou a ser fundado um movimento armado para a fundação de um
estado curdo e, como consequência, foi imposta uma lei marcial), mas algumas
acabam por ser inevitavelmente menos interessantes que outras.
Duas delas sobressaem: Mehmet Salin, um homem à procura de
paz e dignidade, que vive com o remorso de ter abandonado o cunhado durante um
roubo a dois e de o ter visto ser abatido à queima-roupa pela polícia através
do retrovisor, enquanto tentava fugir de carro. Temporariamente livre, Salin
quer pedir o perdão da esposa, filhos e restante família pela sua atitude
cobarde, motivada pelo medo. A primeira pessoa que vai ver é um amigo acamado,
a quem primeiramente conta uma versão um pouco mais heróica dos factos, só para
depois assumir que está a mentir e desabafar sem reservas. É um momento simples
e tocante, filmado com grande sobriedade. Ao mesmo tempo, Seyit Ali viaja à
terra natal para confrontar a mulher, que o cobre de vergonha por se ter
transformado numa prostituta.
Os espaços físicos do filme vão sendo cada vez mais extensos
e ermos, talvez indicando aquilo que estes homens realmente desejam: liberdade.
Porque não é só o crime e a política que os mantém cativos, mas também as
tradições religiosas e culturais, a que têm de obedecer quando deixam de ter de
obedecer aos guardas prisionais. O tratamento das mulheres merece reflexão; a
desigualdade entre sexos ainda não foi extinta nos países ocidentais, mas
podemos pôr as coisas em perspectiva se nos lembrarmos do quão atrasados estão
outros povos nesta matéria, a verdade é essa... Considerando tudo isto, é um milagre que este filme
tenha sido feito, e acredito que isso tenha sido tomado em conta na Croisette,
num ano particularmente forte. No entanto, a qualidade e o alcance de Yol é mesmo uma
evidência.
7/10
ainda não conhecia este blog também ;) vou add :) bom cinema!
ResponderEliminarObrigado Joana :)
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