A veneração de Nanni Moretti pelo humor físico e absurdo de
personalidades incontornáveis do cinema americano como Buster Keaton ou Harold
Lloyd é bastante evidente em filmes como Bianca ou Palombella Rossa, mas com o
passar do tempo os paralelismos com Woody Allen foram-se tornando cada vez mais
pronunciados e pertinentes, apesar da substituição de constantes referências e
dilemas religiosos por políticos. Ambos refinaram um equilíbrio entre drama e
comédia com um cunho muito próprio que, no caso do italiano, atinge o cume neste
filme.
Não consigo imaginar pior destino para qualquer casal do que
ter de enterrar um filho e terá sido esse medo a inspirar La Stanza Del Figlio,
com o advento da paternidade para Nanni Moretti, na altura. Nota-se uma
preocupação urgente e primordial sobre a imprevisibilidade do presente, no
fundo a impossibilidade de uma família estar preparada para a morte prematura
de um dos elementos, especialmente quando se acerca de forma tão súbita como
aqui. Tudo se resume a um acontecimento universal, antecedido pela manutenção
de um quotidiano trivial e sucedido pela sua degradação.
Na ausência de história, é surpreendentemente captivante ver
momentos da intimidade caseira sucederem-se, por serem facilmente reconhecíveis
e por adquirem conotações diferentes em alturas diferentes. Acho que as
frustrações do trabalho, o cultivar de hobbies ou as refeições em conjunto
preenchem o dia-a-dia de muito boa gente, e neste filme não passam por mais do
que isso, não são instrumentos de um enredo, são apenas retratos através dos
quais ficamos a conhecer estas pessoas. A câmara inclui-nos neste lar e fica
intrínseco um nível de proximidade inexcedível.
A inconsistência no tom que afecta muitos dos trabalhos de
Moretti não é um problema em La Stanza Del Figlio. É reconfortante não ser
submetido nem a uma lavagem de humor seco, referências esquerdistas e desfechos
desenxabidos, nem a um caldo de miserabilismo. Para voltar a Woody Allen, não é
Bananas nem Interiors – e ainda bem. Há um sentimento orgânico de neutralidade
que abre a possibilidade de nos rirmos quando o pai psicólogo pensa em piadas
sobre os pacientes enquanto os ouve, antes de Andrea falecer, e de ficarmos vulneráveis
quando lhe dá vontade de chorar em pleno consultório, depois do acidente.
Laura Morante volta a fazer, como em Bianca, uma grande
dupla com o actor/realizador (que, já agora, nunca me pareceu muito musical,
mas aqui usa a By This River do Brian Eno na perfeição). Brevemente, vemos como
a dor de uma tragédia tão inesperada quanto verosímil pode levar à raiva, à
separação física e emocional ou à culpabilização. Contudo, há que recuperar uma
abertura de espírito que permita descobrir novas ou redescobrir antigas razões
para seguir em frente. O festival de Cannes talvez nunca tenha premiado com a
Palma de Ouro um filme mais desarmante na sua simplicidade.
8/10
Bom BLog! Parabéns, voltarei mais para ver com calma!
ResponderEliminarObrigado Emerson! Também visitei o teu e gostei, estive a ler o texto sobre Os Irmãos Grimm :D
EliminarGrande recordação esta de Moretti. Vi-o na altura que saiu, belíssimo
ResponderEliminarAté me apetece ver mais filmes do Moretti, tinha-o encostado um pouco. Ainda tenho aqui o Habemus Papam...
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