Em quase todos os filmes de Audiard um homem e uma mulher de
meios diferentes, com profissões muito exigentes fisicamente ou atravessando
desafios que desgastam os seus corpos de alguma forma, são unidos pelo destino,
cruzam-se casualmente e acabam por encontrar um no outro companhia para
seguirem em frente. São filmes que se dispersam em episódios quotidianos das várias
facetas da vida de cada até ficar estabelecido um nível de intimidade
confortável, o que não é fácil quando, por exemplo, uma personagem acaba de perder
ambas as pernas. Ela tem de aprender a viver com isso e o espectador não é
conduzido para o choque, mas para a aceitação e o regresso à normalidade.
Dito isto, enquanto via The Beat That My Heart Skipped ou
Rust And Bone às vezes tinha de me perguntar onde é que estavam a tentar
chegar. Neste segundo, temos Stephanie e Alain, uma treinadora de orcas e um
pugilista, que se conhecem quando ela gera uma briga no clube onde ele trabalha
como segurança, um primeiro encontro que parece ser algo forçado e ter pouco
impacto para ambos. É assim estranho que mais tarde, depois dum acidente de
trabalho com um dos animais, Stephanie se sinta compelida a ligar-lhe e que
Alain aquiesça a reconfortar uma mulher na qual parece ter pouco interesse,
quando no resto do tempo apenas se preocupa em usá-las para satisfazer as suas
necessidades sexuais.
Passando isso à frente, a relação de amizade com benefícios
que se desenvolve entre os dois até se torna bastante cativante e
emocionalmente proveitosa, da perspectiva dela pelo menos, que parece ir
retirando forças para lidar com as amputações da promiscuidade e das surras que
ele leva em combates ilegais mas bem pagos. As metamorfoses que vai sofrendo
são prova disso mesmo, com as próteses mecânicas passa a andar em pé e com
outra independência e as mensagens que tatua nas pernas simbolizam um crescendo
de resistência mental. Marion Cotillard dá vida a alguém que tenta
transformar-se para se adaptar e isso exige discrição, beleza e dignidade q.b.,
tudo qualidades bem presentes.
A sua excelência contrasta com a unidimensionalidade de
Mathias Schonaerts, embora também seja verdade que Alain me deixa indiferente.
Viril e arrogante, prejudica a irmã à procura de dinheiro, negligencia o filho
e olha com displicência para os primeiros sinais de compromisso que Stephanie
lhe dá. Afasta-se do maior combate da sua vida, o de manter uma família, apesar
de a possibilidade ser bastante óbvia. Um segundo acidente poderá ser
finalmente o ponto de viragem, mas por essa altura já era tarde demais para eu
me importar. A escrita de Audiard distancia-me mas há momentos luminosos, como
o regresso ao parque aquático, que fazem Rust And Bone valer a pena.
6/10
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