Uma carroça atravessa as dunas e chega a uma aldeia
piscatória, perdida na areia e no tempo. Dois ciganos procuram ajuda médica
para o irmão que foi esfaqueado, mas ninguém nas redondezas está qualificado
para os ajudar a esse nível. O sacristão da capela, José, e a família
oferecem-lhe asilo e comida, que acreditam ser suficiente, já que as feridas
não parecem ameaçadoras. Enquanto esperam por melhorias, os outros instalam-se
com uma tenda numa praia próxima e rapidamente se empenham em sacar dinheiro
vendendo relíquias pagãs aos locais, aproveitando-se da sua pouca instrução e
da sua fé, que tanta preponderância tem sempre nestas comunidades.
A presença dos estrangeiros deixa de inspirar
desconfiança para passar a representar medo quando estes raptam uma jovem e
desaparecem, não se coibindo de deixar o irmão para trás, que desde o início
demonstra ter outro tipo de morais e atitudes. À medida que vai recuperando as
suas forças prepara-se para os confrontar, nem que isso implique violência,
estabelece amizade com quem o acolheu e muda-se para um moinho velho, talvez
por querer a distância que a sua etnia normalmente procura, talvez por não
querer estorvar e muito menos dar azo a burburinhos sobre a ajuda que recebe de
Maria enquanto o marido José está no mar, especialmente quando toda a gente
sabe da promessa…
Nas vésperas do seu casamento, o casal fez um voto
de castidade, na esperança de o pai dele conseguir voltar a terra durante uma
tempestade particularmente violenta. Um ano volvido, a falta de envolvimento
físico parece ter conduzido a relação para um impasse. Grato a Deus por ter
afastado a tragédia, ele não pondera voltar atrás com a sua palavra, nem mesmo
tendo o aval do jovem padre João, que considera mais importante salvar o
matrimónio. A religião é indissociável da aldeia, mas os sacrifícios em nome
dela são feitos de claras contradições terrenas. O padre antigo admite, por
exemplo, ao mais novo que até a igreja se rege pelo dinheiro e há que aproveitar
a festa de S. Pedro para ganhar algum. Qual é a diferença para os ciganos?
Como Pasolini, António de Macedo consegue criar um
mundo muito próprio, ermo e ventoso, que quase parece ter sido fabricado para o
filme. Os travellings vacilantes e a mistura de som, com os diálogos de umas
cenas a intrometerem-se noutras, criam um sentimento visceral de confusão e
incerteza que ultrapassa os desenvolvimentos da história e reflecte a postura
católica típica relativamente à sexualidade. O realizador, no último plano,
estaria, acredito, consciente da polémica que certas imagens provocariam e joga
com a forma como a vilificação da nudez no cinema chega a sobrepor-se,
infamemente, ao impacto de uma morte, como se o coito fosse um pecado maior que
o assassínio. A Promessa é inconfundivelmente português.
8/10
Mais um filme para a lista. Boa crítica. Venham mais cem (e por aí fora). Cumprimentos.
ResponderEliminarTanto este como o Domingo À Tarde são grandes filmes do António de Macedo, não sei de qual gosto mais.
EliminarObrigado, Aníbal :D
Este foi um dos filmes que mais gostei de ver no MOTELx. Fenomenal, mais ainda para a época em que foi feito. Uma forte critica social e óptimas interpretações.
ResponderEliminarSe tiveres curiosidade em espreitar, aqui fica uma pequena crítica que fiz na altura em que o vi: http://hojeviviumfilme.blogspot.pt/2013/09/motelx13-promessa-1973.html
Bom texto, David.
Cumprimentos cinéfilos.
Pronto, para o ano vou ao MOTELx :D Já fui ler, ainda deste uma nota mais alta do que eu! Mas vale a pena :)
EliminarObrigado, Inês. Cumprimentos