Já me perguntaram qual é o filme
que eu considero ser o mais deprimente de sempre. Como é habitual quando se
exige uma resposta tão definitiva, lembro-me sempre de várias opções. Requiem
For A Dream, 21 Grams, Amour, Breaking The Waves, Come And See ou Equus são
alguns que, por regra, me vêm à memória. Agora tenho mais um para adicionar à
lista: Barefoot Gen. Se estão a pensar como é que uma animação, normalmente
associadas a agradáveis memórias de infância, pode ter esse efeito, lembrem-se
que estou a falar de uma entrada em território japonês, donde vêm 74% das
maiores bizarrias produzidas a nível mundial (a estatística não é minha, nem de
nenhuma fonte credível).
Tendo em conta que não há
tentáculos a esventrar ninguém ou crianças em poses eróticas vestindo lingerie,
até se pode dizer que Barefoot Gen não se destaca pela perversidade por comparação àquilo a
que estamos habituados no ocidente. Aqui o que choca é mesmo a transformação,
sem compromissos, de uma história familiar colorida e aparentemente cliché, com
o aspecto de um episódio da Heidi, no maior inferno à superfície da Terra
registado até hoje. Isto porque o jovem descalço do título vive, com os seus
pais e três irmãos, dos quais o mais novo ainda está na barriga enorme da mãe,
na cidade de Hiroshima. E a história passa-se em 1945. Começam a perceber onde
isto vai chegar?
Gen levaria uma vida normal, a
ajudar o pai nos campos de trigo, a chatear Eiko e a brincar com Shinji, se não
fosse a constante lembrança de que o maior conflito da História se espalhava perigosamente
pelo Pacífico, acima de tudo graças à insistência do imperador Hirohito em
provocar os EUA, manter a aliança anti-comunista com a Alemanha e liderar o
Japão com uma ditadura irresponsável. Um pouco como em To Kill A Mockingbird, o
mundo das crianças vai passando lentamente para segundo plano, engolido pelo
mundo dos adultos, a sua falta de sensibilidade e as suas noções distorcidas de
justiça. Sobra uma réstia de esperança, mas o caminho é indescritivelmente
duro.
Quando, no dia 6 de Agosto, um
B-29 cruza o céu sobre si, Gen está a chegar à escola. O porão abre-se, algo
cai e, de repente, o tempo pára: uma explosão de cores toma conta do ecrã e
parece prolongar-se por horas, apesar de o impacto ser instantâneo e a
destruição demorar segundos. O realizador Mori Masaki faz prédios inteiros
levitar no meio de chamas ainda maiores e os corpos de milhares de pessoas
dissolvem-se em câmara lenta, numa sequência de puro horror. Neste momento, os
filmes da Disney e os animes infantis dos anos 70-80 passam a ser um rumor do
passado e o poder da animação ganha dimensões inimagináveis. Nunca em live
action se conseguiria retratar a detonação da bomba atómica de forma tão vívida.
Isto é apenas o início de um
pesadelo. Gen e a sua mãe grávida sobrevivem, enquanto o resto tem um destino
macabro. O nascimento do bebé precipita-se nestas condições precárias, as
consequências da radiação são quase imediatas e a desumanidade de um exército
derrotado no tratamento dos seus conterrâneos prolongam o sofrimento. Lembrei-me
de Empire Of The Sun, que também conseguia transmitir a sensação de o mundo ter
acabado ali; nenhuma construção ficou de pé e anda-se à deriva dias seguidos,
apenas procurando satisfazer as necessidades básicas. Este testemunho é um importante
e surpreendente manifesto anti-guerra, mas é preciso ter estômago. Fica o
aviso… e a vénia.
9/10
"King of Pigs" e "Grave of the Fireflies". Também em formato de animação. Para ver assistido de lenços renova.
ResponderEliminarJá vi o Grave Of The Fireflies, concordo, mas este ainda me bateu mais! O King Of Pigs nem tinha ouvido falar, também deixa a lágrima no canto do olho? :(
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