The Misfits nunca há-de cair no
esquecimento, se não for pela qualidade das interpretações oferecidas por Clark
Gable, Montgomery Clift e Marilyn Monroe, será pelo complicadíssimo
processo de produção, especialmente por causa dos mesmos. O primeiro, já com quase
60 anos, conservava ainda uma classe e paciência à parte, mas irritava-se com a
falta de profissionalismo do realizador, na altura viciado em apostas, e
insistia em arriscar a saúde nas gravações mais exigentes fisicamente,
incluindo ser arrastado por uma carrinha a 50 km/h no meio do deserto, algo que
podemos ver para o fim do filme. O segundo havia entrado numa espiral
descendente desde um acidente viário em 1956 o ter desfigurado e provocado
lesões debilitantes. Apesar do sucesso pioneiro, na altura, das operações
plásticas realizadas no seu rosto, outros problemas de saúde levaram-no à
dependência de álcool e analgésicos. Monroe viria a dizer que Clift era a única
pessoa que conhecia que estava em pior forma que ela própria. Isto porque a
loira platinada mais famosa de Hollywood atravessava também um período
conturbado, em pleno divórcio do polémico escritor Arthur Miller, que, como se
isto já não fosse suficiente, era o argumentista de The Misfits. Ataques de
ansiedade faziam-na esquecer as falas, chegar atrasada todos os dias e morfar
comprimidos para dormir como se fossem rebuçados Pez. Gable morreu 12 dias
depois do fecho das filmagens; Monroe morreu um ano e meio depois. Este foi o
último trabalho de ambos.
No meio disto tudo, que dizer? A
reputação persegue The Misfits, e acredito que as expectativas de muitos
espectadores, ainda hoje, sejam influenciadas por isso. A verdade é que não se
trata de um grande épico, nem sequer é um grande western, apesar de ser sobre
cowboys. Não, esta é uma história muito mais íntima, calorosa e regrada do que
seria de esperar… e nada mais agradável do que ver estes pesos-pesados do
cinema gerar uma química tão forte e tão memorável,
resultando, involuntariamente, num epitáfio tão definitivo. Acaba por ser um milagre
que um filme sobre três pessoas cuja indolência é apenas ultrapassada por uma
contraditória fúria de viver (para estabelecer um paralelo com a também curta
filmografia de outro azarado contemporâneo, James Dean) tenha sido feito nestas condições e consiga cativar tanto. Gay, Perce e Roslyn
andam à deriva num oceano de solidão, em mente, e num deserto de areia, em
corpo. O velho Oeste já desapareceu há muito nos planaltos do Nevada, já
ninguém resiste aos salários baixos mas certinhos nas cidades, já não há cavalos
selvagens para domar ou vender aos talhos, já não há rodeos como antigamente e
estas personagens em particular parecem condenadas a agarrarem-se a algo que
não existe ou a agarrarem-se uns aos outros, perpetuando as suas fantasias e
desiludindo-se continuamente, sim, mas, pelo menos, com companhia. O que vale é
que The Misfits nunca há-de cair no esquecimento. Assim, pode ser redescoberto
e reavaliado vezes sem conta.
8/10
É um clássico que ainda preciso assistir.
ResponderEliminarAbraço