Falar de The Wolf Of Wall Street
sem falar de Goodfellas e Casino é basicamente impossível, pelo que vou começar
por aí. Jordan Belfort perfila-se, tal como Henry Hill e Sam Rothstein antes
dele, um criminoso sem morais, cuja longa passagem por um mundo onde a
corrupção e a ganância espreitam a cada esquina, neste caso a alta finança, nos
casos anteriores a máfia e os jogos de azar respectivamente, conhece uma fase
ascendente e uma fase descendente, ambas com enorme estrondo.
Nunca um filme de Scorsese foi
tão longo, teve uma montagem tão frenética ou incluiu tantos “fucks”. Ninguém
diria que um senhor de 70 anos pudesse ainda demonstrar tamanha audácia, e isso
só reforça, apesar dos muitos solavancos na vida profissional e pessoal, o
estatuto do realizador como um dos maiores iconoclastas do cinema, que sempre
conseguiu impor o seu estilo, mesmo quando as polémicas e condicionalismos
tentavam sufocar o trabalho.
Hoje, não há dúvidas de que a sua
carreira é um tesouro artístico que resume um número infinito de influências,
desde os dramas familiares do neorrealismo italiano aos jump-cuts da nouvelle
vague francesa, enquanto desenvolve estudos de carácter repletos de atitudes
contraditórias, que normalmente secundarizam a história para realçar os
próprios dilemas e erros por que as personagens atravessam. Sofrem por serem quem
são e tentam convencer-se de que estão certos, mesmo quando recorrem a
ilegalidades.
Embora estas constatações não tenham
sido a regra nos últimos anos, pois The Departed, Shutter Island e Hugo progridem
de forma mais convencional, com mistérios e reviravoltas à mistura, são-no
outra vez, sem sombra de dúvida, em The Wolf Of Wall Street. O livro do
corrector da bolsa Jordan Belfort sobre as suas experiências em Wall Street originou
um argumento à Nicholas Pileggi, o autor, perito em crime organizado, dos
clássicos dos anos 90 supramencionados.
Senão vejamos: a acção começa in
media res, com anões a serem atirados contra alvos no meio do escritório da
Stratton Oakmont, a empresa fraudulenta criada por Belfort, uma das brilhantes
ideias ali aplicadas para levantar o moral das suas centenas de trabalhadores
viciados em dinheiro, sexo e drogas, numa introdução à imagem e semelhança do
passeio de carro com um pobre coitado prestes a ser esfaqueado na mala com que
começa Goodfellas.
Logo a seguir, com narração e o
derrubar da quarta parede, DiCaprio abre as hostilidades na sua interpretação
mais extravagante. Em segundos, vemo-lo snifar cocaína do rabiosque de uma
prostituta, declarar o seu património com a maior arrogância possível, guiar um
helicóptero todo mamado e… andamos para trás, para o seu primeiro dia a vender
acções, onde conhece Mark Hanna (Matthew McConaughey), que o apadrinha e lhe dá conselhos úteis como masturbar-se regularmente e não se preocupar com os
clientes.
Não há escrúpulos e estes homens
de fato e gravata caríssimos são do mais escroque imaginável. Aliás, estes são
talvez os maiores criminosos que Scorsese alguma vez levou ao cinema, já que
pelo menos na máfia há uma dinâmica de família que se deve respeitar e que
regula o raio de actividade de cada um. Em The Wolf Of Wall Street não há
barreiras e o mais preocupante é o poder que têm sobre os destinos da economia,
não só americana mas também mundial. Estivemos (estamos?) entregues a dementes.
Tanta ostentação chega a ser
opressiva. Este excesso conflui em comédia frequentemente e não dá para conter
as gargalhadas quando Belfort júnior e o pai discutem as inovações na depilação
feminina, entre outras situações, só que também cansa ver tanto desperdício e
tanta falta de ética durante três horas. Não consegui sacudir este sentimento,
que me impede de colocar The Wolf Of Wall Street no mesmo nível de Goodfellas
ou Casino. Independentemente, a técnica e o show de DiCaprio merecem ser
canonizados.
8/10
Sem comentários:
Enviar um comentário