quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

The Wolf Of Wall Street (Martin Scorsese, 2013)

Falar de The Wolf Of Wall Street sem falar de Goodfellas e Casino é basicamente impossível, pelo que vou começar por aí. Jordan Belfort perfila-se, tal como Henry Hill e Sam Rothstein antes dele, um criminoso sem morais, cuja longa passagem por um mundo onde a corrupção e a ganância espreitam a cada esquina, neste caso a alta finança, nos casos anteriores a máfia e os jogos de azar respectivamente, conhece uma fase ascendente e uma fase descendente, ambas com enorme estrondo.

Nunca um filme de Scorsese foi tão longo, teve uma montagem tão frenética ou incluiu tantos “fucks”. Ninguém diria que um senhor de 70 anos pudesse ainda demonstrar tamanha audácia, e isso só reforça, apesar dos muitos solavancos na vida profissional e pessoal, o estatuto do realizador como um dos maiores iconoclastas do cinema, que sempre conseguiu impor o seu estilo, mesmo quando as polémicas e condicionalismos tentavam sufocar o trabalho.

Hoje, não há dúvidas de que a sua carreira é um tesouro artístico que resume um número infinito de influências, desde os dramas familiares do neorrealismo italiano aos jump-cuts da nouvelle vague francesa, enquanto desenvolve estudos de carácter repletos de atitudes contraditórias, que normalmente secundarizam a história para realçar os próprios dilemas e erros por que as personagens atravessam. Sofrem por serem quem são e tentam convencer-se de que estão certos, mesmo quando recorrem a ilegalidades.

Embora estas constatações não tenham sido a regra nos últimos anos, pois The Departed, Shutter Island e Hugo progridem de forma mais convencional, com mistérios e reviravoltas à mistura, são-no outra vez, sem sombra de dúvida, em The Wolf Of Wall Street. O livro do corrector da bolsa Jordan Belfort sobre as suas experiências em Wall Street originou um argumento à Nicholas Pileggi, o autor, perito em crime organizado, dos clássicos dos anos 90 supramencionados.

Senão vejamos: a acção começa in media res, com anões a serem atirados contra alvos no meio do escritório da Stratton Oakmont, a empresa fraudulenta criada por Belfort, uma das brilhantes ideias ali aplicadas para levantar o moral das suas centenas de trabalhadores viciados em dinheiro, sexo e drogas, numa introdução à imagem e semelhança do passeio de carro com um pobre coitado prestes a ser esfaqueado na mala com que começa Goodfellas.

Logo a seguir, com narração e o derrubar da quarta parede, DiCaprio abre as hostilidades na sua interpretação mais extravagante. Em segundos, vemo-lo snifar cocaína do rabiosque de uma prostituta, declarar o seu património com a maior arrogância possível, guiar um helicóptero todo mamado e… andamos para trás, para o seu primeiro dia a vender acções, onde conhece Mark Hanna (Matthew McConaughey), que o apadrinha e lhe dá conselhos úteis como masturbar-se regularmente e não se preocupar com os clientes.

Não há escrúpulos e estes homens de fato e gravata caríssimos são do mais escroque imaginável. Aliás, estes são talvez os maiores criminosos que Scorsese alguma vez levou ao cinema, já que pelo menos na máfia há uma dinâmica de família que se deve respeitar e que regula o raio de actividade de cada um. Em The Wolf Of Wall Street não há barreiras e o mais preocupante é o poder que têm sobre os destinos da economia, não só americana mas também mundial. Estivemos (estamos?) entregues a dementes.

Tanta ostentação chega a ser opressiva. Este excesso conflui em comédia frequentemente e não dá para conter as gargalhadas quando Belfort júnior e o pai discutem as inovações na depilação feminina, entre outras situações, só que também cansa ver tanto desperdício e tanta falta de ética durante três horas. Não consegui sacudir este sentimento, que me impede de colocar The Wolf Of Wall Street no mesmo nível de Goodfellas ou Casino. Independentemente, a técnica e o show de DiCaprio merecem ser canonizados.

8/10

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