Esta semana, em mais um episódio de “Quando a Realidade
Ultrapassa Qualquer Ficção”, temos o caso Fritzl. Corria o ano de 2008 quando a
pacata cidade de Amstetten, na Áustria, é colocada no mapa noticioso mundial dias
depois de um cidadão sénior chamar uma ambulância para que fosse prestada
assistência médica a uma jovem em insuficiência renal que ele teria encontrado
com uma carta. Esse banal acontecimento acionaria uma reação em cadeia que
levou à descoberta de uma diminuta cave na residência de Josef Fritzl onde o
próprio teria aprisionado uma das suas filhas durante 24 anos e com ela tido
sete crianças.
A barbaridade dos contornos criminais desvendados e a lógica
retorcida das declarações daquele monstro do qual ninguém suspeitava, nem a esposa
de um casamento com 52 anos que vivia na mesma casa, eram inimagináveis, mais
do que em ocorrências semelhantes anteriores, pela aberrante árvore genealógica.
Daí que um livro como Room apenas tenha sido possível após um exemplo desta
magnitude e exposição mediática. Nele, bem como nesta adaptação
cinematográfica, o foco recai em Jack (Jacob Tremblay), a criança de 5 anos que
resulta dos abusos que Old Nick comete sobre Joy (Brie Larson) enquanto a
mantém em cativeiro.
Jack nasceu dentro da cabana onde está aprisionado, não
conhecendo nada do mundo exterior, exceto o que vê pela televisão, que não
acredita ser real, qual alegoria da caverna. Apenas existe o quarto. Entre as lições
de leitura, os exercícios de ginástica e a confeção de refeições, é incrível
verificar como estas pessoas se adaptaram à sua condição. Lenny Abrahamson
desafia-nos a aguentar uma hora de claustrofobia e depressão difícil de
processar. Como pode um homem conter tanta maldade ao ponto de fechar uma
mulher durante 7 anos para a torturar? Como pode uma mulher sobreviver a isto com
sanidade?
Subitamente, há uma fuga, a verdade é descoberta e o filme
dedica o mesmo tempo às tentativas de Joy em refazer a sua vida e em mostrar a
Jack tudo o que ele nunca experimentou. Por a história ser relatada pelo rapaz,
entranha-se uma certa inocência que torna Room delicadíssimo. A tentação de
seguir um raptor é antiga, veja-se The Collector (William Wyler, 1965); aqui
grudamos às vítimas. Os dois atores principais carregam o enorme peso de uma
proximidade forçada, geradora de uma ligação inquebrável mas asfixiante. É uma
química do outro mundo, à margem do mundo. Acima de tudo, Room fala sobre o
amor de uma mãe pelo filho.
8/10
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