A investigação jornalística é uma das demonstrações mais
puras do exercício da democracia. Dependendo das implicações de uma determinada
descoberta, o sistema que permite ocultar o tema e dificultar a sua exposição
acaba por ser o mesmo que conduz o trabalho dos repórteres a uma conclusão
coerente com a ética inerente às liberdades consagradas na constituição. Viver
sob os princípios políticos comuns à generalidade dos países ocidentais
acarreta inevitáveis doses de cinismo, tendencialmente inferiores às desejáveis
doses de justiça. Apesar de tudo, devemos acreditar que a verdade vem ao de
cima.
Claro que nem sempre é assim e quando o assunto são
religiões as ambiguidades parecem perpetuar-se. O cristianismo definiu bases
morais que ainda hoje estão enraizadas nas nossas sociedades… bem como a
cultura da culpa, do pecado e do medo. O estado é laico, mas ninguém pode negar
a influência que a igreja continua a ter, seja de que lado do oceano atlântico
for. Em Spotlight ficamos com a certeza de que, numa cidade cheia de tradição
como Boston, a convergência de poderes é inevitável. Não é por isso de espantar
que os segredos abundem e sejam difíceis de expor.
Através de uma gestão metódica do avolumar de informação que
a equipa de Robby (Michael Keaton) vai recolhendo a partir de testemunhos,
registos, advogados e, ironicamente, recortes do seu próprio jornal, o filme
cria uma noção de escala quanto à prática da pedofilia entre os padres
celibatários. Nesta era em que somos bombardeados com notícias a toda a hora, a
nossa memória do que lemos é curta. Registamos alguns factos, claro, e
dificilmente se esquece do escândalo que começou com a reportagem publicada por
esta equipa de jornalistas no The Boston Globe em 2002 a denunciar este
problema.
Todavia, quando somos convidados a refletir no assunto com
alguma distância, processamos melhor a dimensão dos crimes destes bons
católicos, para além da perversidade em outras áreas que permitiu o
encobrimento da realidade e abafou a voz dos inocentes durante tanto tempo. Numa
cena, o psicoterapeuta Richard Sipe, que Rezendes (Mark Ruffalo) apenas conhece
por telefone, qual garganta funda deste Watergate eclesiástico (All The
President’s Men é o eterno padrão), fala num fenómeno psiquiátrico por
classificar, estimando que cerca de 6% de todos os padres abusam sexualmente de
crianças. Arrepiante.
Depois de acompanharmos todo o processo, somos levados a
pensar que a questão está arrumada quando sai no jornal, porque, lá está, é
assim que consumimos notícias estes dias, tipo fast food. Robby, Rezendes,
Sasha (Rachel McAdams) e Matt (Brian d’Arcy James) chegam à redação nessa manhã
e os telefones tocam incessantemente. Não são críticas – são vítimas. Até custa
engolir. O argumento não tem paciência para merdas, vai direto ao assunto, e o
elenco acompanha com excelência. É importante ver além dos dogmas e vigiar as
instituições que agem em nome da fé, aceitar as dúvidas e procurar a
objetividade.
8/10
Sem comentários:
Enviar um comentário