sábado, 6 de fevereiro de 2016

Spotlight (Tom McCarthy, 2015)

A investigação jornalística é uma das demonstrações mais puras do exercício da democracia. Dependendo das implicações de uma determinada descoberta, o sistema que permite ocultar o tema e dificultar a sua exposição acaba por ser o mesmo que conduz o trabalho dos repórteres a uma conclusão coerente com a ética inerente às liberdades consagradas na constituição. Viver sob os princípios políticos comuns à generalidade dos países ocidentais acarreta inevitáveis doses de cinismo, tendencialmente inferiores às desejáveis doses de justiça. Apesar de tudo, devemos acreditar que a verdade vem ao de cima.

Claro que nem sempre é assim e quando o assunto são religiões as ambiguidades parecem perpetuar-se. O cristianismo definiu bases morais que ainda hoje estão enraizadas nas nossas sociedades… bem como a cultura da culpa, do pecado e do medo. O estado é laico, mas ninguém pode negar a influência que a igreja continua a ter, seja de que lado do oceano atlântico for. Em Spotlight ficamos com a certeza de que, numa cidade cheia de tradição como Boston, a convergência de poderes é inevitável. Não é por isso de espantar que os segredos abundem e sejam difíceis de expor.

Através de uma gestão metódica do avolumar de informação que a equipa de Robby (Michael Keaton) vai recolhendo a partir de testemunhos, registos, advogados e, ironicamente, recortes do seu próprio jornal, o filme cria uma noção de escala quanto à prática da pedofilia entre os padres celibatários. Nesta era em que somos bombardeados com notícias a toda a hora, a nossa memória do que lemos é curta. Registamos alguns factos, claro, e dificilmente se esquece do escândalo que começou com a reportagem publicada por esta equipa de jornalistas no The Boston Globe em 2002 a denunciar este problema.

Todavia, quando somos convidados a refletir no assunto com alguma distância, processamos melhor a dimensão dos crimes destes bons católicos, para além da perversidade em outras áreas que permitiu o encobrimento da realidade e abafou a voz dos inocentes durante tanto tempo. Numa cena, o psicoterapeuta Richard Sipe, que Rezendes (Mark Ruffalo) apenas conhece por telefone, qual garganta funda deste Watergate eclesiástico (All The President’s Men é o eterno padrão), fala num fenómeno psiquiátrico por classificar, estimando que cerca de 6% de todos os padres abusam sexualmente de crianças. Arrepiante.

Depois de acompanharmos todo o processo, somos levados a pensar que a questão está arrumada quando sai no jornal, porque, lá está, é assim que consumimos notícias estes dias, tipo fast food. Robby, Rezendes, Sasha (Rachel McAdams) e Matt (Brian d’Arcy James) chegam à redação nessa manhã e os telefones tocam incessantemente. Não são críticas – são vítimas. Até custa engolir. O argumento não tem paciência para merdas, vai direto ao assunto, e o elenco acompanha com excelência. É importante ver além dos dogmas e vigiar as instituições que agem em nome da fé, aceitar as dúvidas e procurar a objetividade.

8/10

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