Apresentar Bresson a quem não conhece já é uma tarefa
difícil, quanto mais descrever o seu estilo de forma interessante. De facto,
passam agora 30 anos desde a estreia do seu último filme, L’Argent, e a divisão
que gera nos espectadores continua a ser tão acentuada como era na altura,
aliás, como foi desde o início da sua carreira. Se, à partida, um realizador
que se notabilizou pelo perfeccionismo austero, uso de atores não profissionais
e pela ausência de pistas ou justificações psicológicas para o comportamento
das personagens não parece particularmente atrativo, a verdade é que o seu
poder de síntese escrutina temáticas como a moralidade, a justiça e a solidão com
uma intencionalidade sem paralelo.
Nos filmes de Bresson nenhum plano é liso o suficiente para
o intuito ser percepcionado em todo o seu alcance no momento em que o vemos. Se
considerarmos que a paciência é um pedido razoável que qualquer artista tem o
direito de fazer para desenvolver as suas ideias, e eu acredito que esta é uma
capacidade que o cinema ajuda a trabalhar mais do que exige de antemão, com o
devido conhecimento de fundo uma experiência que o facilitismo pode rotular de
frustrante vai-se tornando progressivamente enriquecedora.
Claro que é preciso estar do outro lado a puxar os cordelinhos alguém competente na tarefa de transportar as suas dúvidas para o público e é extremamente difícil transformar o individual em algo universal. São muitos os que tentam e falham, talvez em igual quantidade aos que são apelidados de pretensiosos. Em abono da verdade, correm esse risco. Mas quando, por correcto alinhamento dos planetas ou outro fenómeno astrológico qualquer, há sintonia intelectual entre o espectador acessível e o realizador esclarecido, o filme resulta. E, melhor ainda, se a resposta é visceral ao ponto de dispensar verborreias como esta, então aí é que o cinema acontece.
Claro que é preciso estar do outro lado a puxar os cordelinhos alguém competente na tarefa de transportar as suas dúvidas para o público e é extremamente difícil transformar o individual em algo universal. São muitos os que tentam e falham, talvez em igual quantidade aos que são apelidados de pretensiosos. Em abono da verdade, correm esse risco. Mas quando, por correcto alinhamento dos planetas ou outro fenómeno astrológico qualquer, há sintonia intelectual entre o espectador acessível e o realizador esclarecido, o filme resulta. E, melhor ainda, se a resposta é visceral ao ponto de dispensar verborreias como esta, então aí é que o cinema acontece.
Segundo o próprio Bresson, a motivação para fazer The Devil Probably
adveio dos desperdícios incentivados pelo consumismo exponencial que as
sociedades ocidentais tinham (e têm) tornado regra, onde o “ter” secundarizou o
“viver” e massificou a indiferença. O seu pessimismo quanto ao modernismo, cada
vez mais evidente à medida que os anos avançaram, encontra o protagonista
perfeito no adolescente Charles, nascido e criado num mundo em rápida mudança,
de muitas descobertas, mas que oferece poucas respostas. Do início ao fim, ele
procura significado para a sua realidade na política, no ambientalismo, na
arte, na religião, no sexo e na psiquiatria, nunca perdendo o olhar vazio e sem
expressão.
Na superfície, pouco acontece e estranha-se até alguns
planos. Em segunda análise, torna-se esmagador o efeito de alienação e raiva
reprimida que Bresson desenvolve, como uma elegia a quem continuamente tenta
estabelecer uma ligação com o mundo e deixar o estado de isolamento, seja
físico (como em A Man Escaped) ou mental, a que parecem condenados. Aqui, a
desilusão é total e todas as cenas estão desprovidas do mínimo de esperança,
como se fosse inevitável ceder perante a evolução do mundo que rodeia estes
jovens. Os dilemas de Charles fazem-no adotar um discurso de rejeição de tudo e
mais alguma coisa, mas advêm de uma clareza de visão invulgar ou de um
fatalismo circunspecto?
Apenas possível na ressaca do Maio de 1968, The Devil Probably serve-se da primeira geração nascida numa Europa ocidental com a paz que impera até aos dias de hoje para se desdobrar num existencialismo sentido e sagaz, que não vê soluções em revoluções, enriquecido pela pureza da redução do cinema ao básico, pela sua estética fria e subtil, e que, através de uma brevidade característica, revela, para quem estiver disposto a prestar atenção, subtextos provocadores e cheios de ambiguidades. Continuamente aperfeiçoando a precisão do seu trabalho, o realizador responde inequivocamente contra a artificialidade do que chamava de teatro filmado e atinge neste ponto uma linguagem tão abrupta que não deixa ninguém indiferente.
Apenas possível na ressaca do Maio de 1968, The Devil Probably serve-se da primeira geração nascida numa Europa ocidental com a paz que impera até aos dias de hoje para se desdobrar num existencialismo sentido e sagaz, que não vê soluções em revoluções, enriquecido pela pureza da redução do cinema ao básico, pela sua estética fria e subtil, e que, através de uma brevidade característica, revela, para quem estiver disposto a prestar atenção, subtextos provocadores e cheios de ambiguidades. Continuamente aperfeiçoando a precisão do seu trabalho, o realizador responde inequivocamente contra a artificialidade do que chamava de teatro filmado e atinge neste ponto uma linguagem tão abrupta que não deixa ninguém indiferente.
10/10