domingo, 13 de novembro de 2016

Waking Life (Richard Linklater, 2001)

Richard Linklater não se ensaia muito para mandar pela janela as convenções narrativas com que a maioria do cinema mainstream se rege, preferindo trabalhar com sucessões de vinhetas, relacionadas apenas superficialmente entre si, para procurar alguma verdade mundana que possa ter uma ressonância intelectual ou motivar um despertar emocional. Regra geral, nem sequer é um momento específico que resume o impacto dos seus filmes, antes esse acumular de situações familiares (que nos obriga a ver com outro olhar) vai deixando a sua marca e, quando se dá por ela, já não estamos em frente a um ecrã mas a explorar as ruas de Viena ou no liceu à caça do que fazer depois das aulas, somos absorvidos pelo momento.

O valor do tempo define-se para construir uma lógica interna de evolução dos acontecimentos. Before Sunrise só faz sentido porque cada minuto da viagem de Celine e Jesse vale mais perto de um minuto do relógio do que estamos habituados, por exemplo. Em Waking Life, a sua perceção é mesmo imensurável, porque a realidade específica na qual a personagem principal deambula é o mundo dos sonhos e sabemos como a passagem do tempo durante o sono é variável. De cada vez que acorda, o rapaz está num sonho dentro de outro sonho, preso dentro de infinitos círculos concêntricos. Com isso, atinge recantos do subconsciente onde encontra ideias filosóficas que a sua mente interpõe através de figuras invulgares.

O facto de ser um jovem a ter esta experiência alinha-se com a simpatia do realizador pelo espírito contestatário daquelas fases em que se quer todas as perguntas e todas as respostas e que, para o melhor e para o pior, se dilui com a entrada na vida adulta e as responsabilidades que isso acarreta. Cada cena pondera a evolução da humanidade, o existencialismo, a importância das artes ou o livre arbítrio com uma eloquência invulgar. São monólogos e diálogos com o professor universitário de química Eamonn Healy, um homem que se imola no meio da rua, o escritor africano Aklilu Gebrewold, um preso com desejo de vingança, um chimpazé que fala, Timothy Levitch, entre outros, no documentário mais estranho de sempre, no fundo.

Resta mencionar que Waking Life é uma animação, escolha surpreendente para um ensaio filmado. A aposta arriscada no rotoscópio, em que a ação foi gravada e os desenhos foram feitos por cima duma projeção posterior em estúdio, reforça a qualidade fluída do estilo minimalista e natural de Linklater. As linhas estão em constante movimento e preenchem estas especulações com pormenores surrealistas e cubistas. O que busca é liberdade total, criativa e conceitual, e nem importa se é possível atingi-la. Waking Life não é igual a nada, o que, por si só, o autojustifica. Como se não fosse suficiente, há pano para mangas a nível de temas de conversa e exercício para os pensadores inquietos.

8/10