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sábado, 5 de dezembro de 2015

Things We Lost In The Fire (Susanne Bier, 2007)

Susanne Bier pode-se vangloriar de pertencer ao restrito grupo de realizadores europeus a fazer filmes – no plural – em Hollywood. Não que essa transição seja sempre positiva, mas é frequentemente uma hipótese de trabalhar com outros recursos e de chamar a atenção de mais pessoas para uma carreira. Ainda assim, Bier não abdicou das suas imagens de marca e consegue aqui desenvolver mais um drama sólido, como nos vinha habituando a partir de outras geografias.

O início do filme deixa algumas reticências, pela colagem demasiado forçada ao estilo de escrita de Guillermo Arriaga, em voga depois do reconhecimento de Babel um ano antes. Não se pode dizer que a não-linearidade afete a coesão da história. Há alguma lentidão e repetição, que se revelam insuficientes para enfraquecer a evolução emocional das personagens, antes ajudam a construir um maior realismo sobre a dificuldade de perder um ente querido.

Esse é o foco de Things We Lost In The Fire, via a evocação de Brian Burke (David Duchovny), pai e marido, cuja memória paira insistentemente, depois de morrer num crime sem sentido, quando tentava parar um homem de espancar a própria mulher em plena rua, numa noite em que este tinha decidido visitar o amigo de infância Jerry (Benicio Del Toro), contra a vontade da esposa Audrey (Halle Berry).

Os laços que se vão criando entre os que se mantêm no mundo dos vivos extrapolam os sentimentos e motivam grandes mudanças na vida de todos, não só para ultrapassar a dor, como também para corrigirem falhas de carácter que carregam há demasiado tempo e que nunca tiveram coragem de enfrentar. Jerry e Audrey, tal como os atores que interpretam os papéis, são um par improvável e, talvez por isso, muito interessante de seguir.

Halle Berry encontrou aqui um novo papel dramático bem construído, depois de ter andado algo perdida desde o sucesso de Monster's Ball, mas é Benicio Del Toro que carrega este filme, na maior parte. As suas expressões cansadas e melancólicas assentam que nem uma luva e nota-se muita preparação nas cenas que são provavelmente as mais chocantes, em que tem de encarar as tentativas de reabilitação de Jerry, no fundo um junkie viciado em heroína.

O argumento é paciente e encontra sempre o tom adequado para cada situação, com especial destaque para os diálogos das crianças, que inúmeras vezes são notas de rodapé em dramas familiares desta índole. Há a lamentar o desperdício de uma ou outra personagem, como Kelly (Alison Lohman), uma drogada que Jerry conhece em grupos de apoio. O processo de filmagens, com câmaras de mão a gravar muito perto dos atores, e a fotografia, a realçar reflexos e luminosidades fortes, são soluções estéticas que ajudam à criação de um ambiente intimista. Things We Lost In The Fire é um drama eficaz.

7/10

domingo, 8 de novembro de 2015

The Mist (Frank Darabont, 2007)

De vez em quando saem filmes que, de tão maus, chegam a enfurecer. The Mist, a centésima quadragésima nona colaboração entre Frank Darabont e Stephen King, é um conto de terror no qual uma estranha tempestade espalha um nevoeiro denso que esconde criaturas com grande apetite, o que vai forçar um grupo de cidadãos de uma pequena vila a refugiar-se no supermercado local por tempo indeterminado. Logo à partida, quantas vezes é que já se viu esta fórmula? Mas tentemos deixar essa constatação de lado, porque também várias foram já as vezes em que a limitação da história não inviabilizou alguma originalidade (lembre-se o sucesso que foram Shaun Of The Dead ou 28 Days Later no género zombie). Há um ponto relevante em The Mist: o intuito de Darabont em fazer ressoar algumas preocupações da sociedade atual, sendo o exemplo mais óbvio a personagem de Mrs. Carmody (Marcia Gay Harden), cujo extremismo religioso avilta grande parte dos sobreviventes em pouco tempo de reclusão. De lunática bizarra a profetisa em tempo de desespero vai apenas um passinho. É assustador verificar que a humanidade dos que a rodeiam se esvanece rapidamente (ao contrário do nevoeiro, que persiste, imperscrutável) e que a sua palavra passa a ser seguida, apesar de não oferecer nenhuma solução, apenas violência e ilusão. Para além disto, claramente, o medo, do desconhecido, e, por vezes, de outros como nós, é um tema recorrente, havendo ainda espaço para incluir a culpabilização do exército por atividades perigosas e sem ética, facto porventura mais direcionado aos espectadores americanos.

Mrs. Carmody é uma figura muito bem construída. O resto não. Temos meia dúzia de estereótipos que já foram criados há décadas e podemos prever todos os seus diálogos e reações. Temos sempre alguma voz a sublinhar a base psicológica de cada cena, ou seja, o nível de condescendência para com o espectador ultrapassa o tolerável. E temos interpretações carentes e displicentes. Thomas Jane, coitado, não consegue carregar um filme, por muito que tente (e tenta há décadas). Marcia Gay Harden é a atriz menos subtil a trabalhar em Hollywood, mas tem a sorte de isso ser minimamente adequado aqui. Não deixa de ser um prazer polvilhado de ironia e algo depravado ver, depois de anos em ótimos filmes que só não são perfeitos por sua causa (Miller's Crossing, Mystic River), a sua cabeça trespassada por uma bala.

The Mist tresanda a amadorismo por todos os poros. Se viram The Shawshank Redemption ou The Green Mile terão certamente ficado fascinados com algumas das imagens poderosas que evocam, com os grandes planos e o trabalho de câmara sóbrio que os atravessa. Isso não existe aqui. Toda a realização parece improvisada e apressada, como num episódio da série The Unit, mas com noções de cinemática muito mais básicas. Os efeitos especiais são do mais retardado e artificial que alguma vez se viu numa produção milionária deste tipo, como tentáculos pixelizados cujos movimentos não se adequam aos dos atores com quem partilham as cenas. Há falhas no suposto realismo do filme que detraem da experiência, por exemplo um gerador barulhento exceto quando ninguém está a falar ou sacos de comida para cão que se multiplicam do nada conforme a necessidade dos lojistas. Isto sem esquecer os enredos sem solução e lugares-comuns do argumento, que se sucedem a ritmo alucinante. Uma mulher que sai da loja a correr logo no início da trama, e que, milagrosamente, aparece sã e salva nos últimos segundos de película. Soldados suicidas. Um fim deveras irracional e desadequado, que apenas tenta jogar com a nossa pena. Há tanto de problemático, forçado e simplesmente errado com The Mist que é difícil formar qualquer ligação com a ação e emoção que tenta desenvolver.

2/10

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

El Orfanato (Juan Antonio Bayona, 2007)

Uma das fitas mais faladas da edição de 2008 do Fantasporto, El Orfanato tem o mérito de cumprir com aquilo a que se propõe: cativar a atenção do início ao fim, envolvendo quem o vê num mistério com contornos muito pessoais para a personagem principal. Apesar do nome de Guillermo Del Toro aparecer nos créditos iniciais, a sua contribuição resume-se ao trabalho de produção, estando a realização a cargo de Juan Antonio Bayona, na altura um singelo caloiro espanhol, agora talvez mais conhecido por ter o drama The Impossible (2012) no currículo.

Pela sinopse – para quem está a zero sobre a história, centra-se numa mulher que compra o orfanato onde passou a sua infância, muda-se para lá com a família, e acaba por desenterrar segredos do passado, ao mesmo tempo que o seu filho desaparece – talvez fique a sensação de que se está a pisar terras já exploradas; The Haunting (Robert Wise, 1963), The Others (Alejandro Amenábar, 2001), e, para quem se lembrar, Saint Ange (Pascal Laugier, 2004), podem saltar à memória, mas garanto que nem por isso El Orfanato é uma experiência menos aprazível ou surpreendente.

Todos os desenvolvimentos do presente de Laura são um reflexo de várias fases da sua vida, pelo que, mais do que um puzzle em resolução, com meia dúzia de sustos pelo meio, o enredo evoca memórias difíceis e constrói uma espiral de degradação psicológica desta mulher, cabendo ao espetador tentar perceber se isso é irreversível ou não e até que ponto esse estado alimenta a sua imaginação. Belén Rueda, cara conhecida de Mar Adentro (Alejandro Amenábar, 2004), consegue exprimir a fragilidade de Laura de forma convincente e carrega a ação de forma admirável.

Nota-se muito cuidado em fundir toques modernos com uma história mais tradicional, vê-se o aparecimento de assistentes sociais, sabemos que uma criança tem VIH e, por outro lado, temos aquele toque gótico característico de narrativas que revolvem em casas antigas e enormes. Não há muito gore, mas há um nervosismo miudinho constante, por vezes quase impercetível, que dá grande atmosfera. Há classe, que é algo que falta no terror que é feito hoje em dia e que é tão apreciado nos clássicos de Roman Polanski, em The Omen (Richard Donner, 1976) ou Don't Look Now (Nicolas Roeg, 1973). A banda sonora é apropriada e memorável. Tudo somado, uma boa surpresa, que faz da sobriedade, pormenor e ambiguidade as suas palavras-chave.

8/10

sábado, 15 de setembro de 2012

December Boys (Rod Hardy, 2007)


Daniel Radcliffe interpreta um órfão - o alcance deste rapaz é incrível. Pelo menos o casting não podia ter corrido melhor, é difícil negar o seu talento para este tipo de papéis e a sua presença em nada minimiza o filme, antes pelo contrário. December Boys trata de um orfanato católico, perdido no interior da Austrália nos anos 60, que passa a ter a possibilidade de mandar de férias os seus inquilinos, para uma pequena localidade piscatória. Os primeiros a embarcar nessa oportunidade inédita de viajarem até à costa são os 4 miúdos com aniversário em Dezembro, ou seja, Maps, Misty, Sparks e Spit.

A história é narrada pelo segundo, idoso e fora de câmara, como que recontando a sua infância ingénua e invulgar a uns possíveis netos. O filme começa por mostrar, com agradável neutralidade, a calma vida no asilo, onde, apesar das regras das freiras, não deixava de haver espaço para se crescer saudavelmente e para comportamentos transgressivos de vez em quando, que também fazem parte da idade. Não vilificar este ambiente é uma decisão acertada quando é suposto a nostalgia mostrar o caminho, e desde cedo vieram-me à memória Picnic At Hanging Rock e Walkabout.

Alegres mas confinados e alojados no meio de nenhures, sair dali temporariamente é uma ideia que nunca deixa de fascinar os amigos, mas essa gratidão pela oportunidade é demais evidente durante a travessia pelo deserto até ao mar, em que belas imagens do território australiano se sucedem, evocando a imensidão do mesmo. Misty arregala os olhos sonhadores atrás dos óculos. Nem 10 pessoas moram na baía que os acolhe e 2 delas são o bondoso casal McAnsh, que lhes oferecem residência e disciplina suficiente para contrabalançar a liberdade inédita.

Enquanto os mais jovens, em especial Misty, orientam esforços para que um deles possa ser adotado pela francófona Teresa e o motoqueiro circense Fearless, um par amoroso impedido de ter filhos, a atenção de Maps, mais velho e noutra fase do seu crescimento, é desviada para uma rapariga, Lucy. Todo o embaraço característico de Daniel Radcliffe se adequa à personagem, vê-se logo no primeiro contacto que tem com Teresa (saindo da água, nua, para oferecer aos miúdos protetor solar). Está em idade de começar a interessar-se pelo sexo feminino mas é demasiado desajeitado, pela falta de prática.

O argumento consegue ser meigo mesmo quando confronta as vivências infantis do quarteto com temas menos inócuos, como o cancro. Estabelece também com sucesso a amizade forte que une os órfãos e mesmo quando se desentendem parece que nunca perdem noção de que estão no mesmo barco. Chega a ser especialmente tocante a forma como acabam por apoiar Misty para que este ganhe os pais por que sempre desejou. É nesta altura que há uma reviravolta que estraga toda a experiência do filme, com Misty a preferir voltar para as freiras depois de tantas preces para ser abençoado com a família perfeita.

Tudo indicia a permanência de Misty na baía, passamos todo o tempo a desejar que seja adotado, porque é o que ele quer e merece, para, no fim, ele rejeitar isso tudo e é suposto aceitarmo-lo com a maior leveza e compreensão possíveis. Nunca vi um filme criar tanta expectativa e depois dizer "meh, deixem lá, se calhar é melhor continuar como estava". É um desperdício da simpatia dos atores e da fotogenia da Austrália. Ficam as brincadeiras no areal, os primeiros beijos e amores, o potencial de Daniel Radcliffe e Teresa Palmer, o espírito de inocência e descoberta, tão difícil de descrever, tão bem captado aqui.

6/10