segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Hollywood Ending (Woody Allen, 2002)

Agradar a gregos e troianos, como se costuma dizer, nunca é uma tarefa fácil, especialmente se o ritmo de trabalho for consideravelmente elevado. É o que acontece com Woody Allen, que vem fazendo pelo menos um filme por ano desde 1982, nem sempre recebendo o melhor feedback possível. Depois do problemático The Curse Of The Jade Scorpion, uma period-piece que acabou por ser cara demais e por ter interpretações com sal a menos, veio Hollywood Ending, uma obra mais segura, exactamente sobre um realizador com dificuldades para fazer o que quer e o que lhe compete nas melhores condições.

A carreira de Val atingiu um nadir. Vencedor de vários Óscares, rotulado como muito difícil, está agora a fazer anúncios e sem um bom projecto com que voltar aos seus dias de glória, até que a Galaxy Pictures o convida para pegar num argumento com potencial. É a hipótese de que precisava - o problema é a produtora ser gerida pela ex-mulher (Tea Leoni) e o homem por quem ela o trocou. Como se isso já não fosse suficiente, no dia anterior ao início das filmagens, Val é atingido por cegueira psicossomática, mas como não está em condições de recusar trabalho, esconde-o de quase toda a gente.

Os conflitos que se seguem não o ajudam a relaxar e recuperar, mas o apoio da ex-mulher, de início dado a contra-gosto, acaba por ser fundamental para, no mínimo, ter algo para apresentar, por muito desastroso que seja (e é), já que não consegue dar-se com o director de fotografia, dirigir os seus actores ou ter sexo com uma Tiffani Thiessen muito carente e pouco vestida. Val é, no fundo, mais uma afável caricatura de Woody Allen, hipocondríaco, nervoso e sempre com uma resposta pronta. O conceito do filme é um contra-senso hilariante, uma farsa com mais comédia física do que seria de esperar.

Nota-se alguma amargura relativamente à indústria de um realizador mais apreciado em França do que no seu país, mas não é descurado o final feliz. Hollywood Ending não é uma obra-prima a nível nenhum, sendo até um dos poucos filmes desta fase que não contou com Carlo Di Palma ou Fei Zhao na cinematografia, o que se nota um pouco, mas numa altura em que Woody Allen acusava alguma fadiga depois de projectos menores como Small Time Crooks, por exemplo, Hollywood Ending surge com natural simpatia e escassa pretensão.

7/10 

IMDb 

TOP5: Serial Killer Movies

05. A Nightmare On Elm Street (Wes Craven, 1984)
Um argumento com grande profundidade, muitas vezes subestimado por o filme se ter tornado parte da pop-culture.

04. Psycho (Alfred Hitchcock, 1960)
Hitchcock, pois claro. Um filme ainda capaz de deixar qualquer um colado à cadeira. E haverá cena mais mítica na história do cinema que a do chuveiro? Provavelmente não.

03. Kind Hearts And Coronets (Robert Hamer, 1949)
Um filme com uma classe ímpar.

02. Seven (David Fincher, 1995)
Uma junção de qualidade a todos os níveis, absolutamente memorável.

01. The Silence Of The Lambs (Jonathan Demme, 1991)
Um filme que marcou uma geração, Hannibal Lecter será talvez o serial killer mais conhecido do cinema e este filme em especial mostra porquê. Um marco.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

The Jazz Singer (Alan Crosland, 1927)

Juntar som e imagem revelou-se uma ambição e um desafio desde os primórdios do cinema. Enquanto os filmes-mudos eram um sucesso e povoavam o imaginário cultural das primeiras décadas do séc. XX com Charlie Chaplin, Buster Keaton ou Lillian Gish, inventores independentes e grandes estúdios tentavam já desenvolver processos que permitissem fazê-lo, essencialmente ao nível do som-em-disco, ou seja, ligando um gira-discos ao projector e sincronizando um vinil com as bobines. Nesse contexto, aparece o sistema Vitaphone da Warner Bros., que seria então usado, em 1927, no primeiro filme-sonoro de sempre: The Jazz Singer.

Essencialmente um filme-mudo com números musicais audíveis, The Jazz Singer é primitivo e ainda povoado por intertítulos. Jakie Rabinowitz é filho de um cantor eclesiástico judeu em Nova Iorque, que pretende para Jakie a mesma carreira. Este, no entanto, prefere o jazz. Em conflito com o pai, decide, ainda pré-adolescente, fugir de casa e perseguir os seus sonhos. Anos mais tarde, está transformado em Al Jolson (artista multifacetado famoso da altura escolhido para o papel principal), chama-se Jack Robin, está na iminência de atingir a fama como cantor popular e profere o primeiro diálogo do cinema ao dirigir-se à audiência dum bar para apresentar uma canção, com um "wait a minute, you ain't heard nothing yet!"

De volta a Nova Iorque, visita a sua mãe em casa e, numa cena verdadeiramente emotiva, os dois exibem uma ligação e um entendimento que nem anos de distância conseguiram derrogar. O reencontro com o pai é que não é tão pacífico. O velho deserda-o com facilidade, dizendo mesmo, a certa altura, que já não tem filho. Todavia, arrepende-se rapidamente, o remorso consome-o, a idade avançada não ajuda e ele fica gravemente doente, impossibilitado de cantar para a sua congregação num importante dia do calendário judeu, que coincidirá com a estreia dum espectáculo de Jack. Pressionado pela mãe e por amigos, o jovem vê-se num dilema moral: cantar na Broadway ou cantar na igreja? Seguir o seu caminho ou seguir a tradição de família?

Al Jolson dá o seu melhor em todas as cenas, enche o filme com a sua humildade e simpatia, o seu talento vocal e o seu talento como actor. Há um interesse amoroso, que nunca é consumado e que fica sempre em segundo plano, pois a carreira de Jack é mais importante. Não se esquecem as músicas, os passos de dança e muito menos o cantor em palco, maquilhado como negro, num momento hoje erradamente considerado racista por alguns, que mais não é que uma homenagem à cultura afro-americana, que teve em Jolson, na tela e fora dela, um profundo admirador e aliado. Para além da sua importância histórica, The Jazz Singer é também, e acima de tudo, um óptimo filme, um precursor técnico bem estruturado e com o coração no sítio certo.

8/10

IMDb 

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

The White Ribbon (Michael Haneke, 2009)

O rótulo de autor sempre foi anexado a Michael Haneke com naturalidade, pela forma como consegue sobrepor a sua visão ao processo colectivo de produção. Cada filme reflecte as suas considerações técnicas e temáticas com rispidez, mas percorrendo caminhos diferentes, o que lhes garante uma identidade muito própria. The White Ribbon separa-se logo no início pelo uso inédito do preto e branco e por haver um narrador, o que apenas aconteceu anteriormente em The Castle. Ser-nos-ão relatados os estranhos acontecimentos que precederam o início da Primeira Guerra Mundial numa aldeia alemã e espera-se que, ainda que vagos e episódicos, possam parecer sintomáticos do futuro iminente do país.

As respostas a grandes perguntas nem sempre são claras ou fáceis, como cedo descobre o filho do médico da vila. Na cena inicial, o seu pai sofre uma queda aparatosa de cavalo que dificilmente se pode confundir com um acidente. O menino pergunta então à irmã mais velha o que significa morrer e não gosta do que aprende. A morte é um assunto recorrente, quanto mais não seja pela forma como condiciona a vida do grande leque de cidadãos da vila, vidas de trabalho e fé, e a fé incorre em dualismo, tanto pode ser responsável por actos de bondade como de maldade. A Haneke interessa os factos, as explicações deixa-as para quem se atreve a analisá-los.

Como tal, o que será pior? Acreditar na inocência de uma criança mas constantemente atentar contra ela, como o padre, ou protegê-la mas perceber que pode ser comprometida, como o professor? Esta é uma questão menor, que é explorada quando, depois do que aconteceu com o médico, a incompreensão e o medo se instala à medida que se sucedem actos de vandalismo e violência cada vez mais enigmáticos. As crianças são particularmente vulneráveis, mas todos vivem reprimidos pelas dinâmicas de culpa e castigo que a religião e a sociedade impõem. Qual é o grau de estabilidade que isso acarreta afinal, quando nem a casa e a família são um reduto?

A ambiguidade bate à porta. As crianças são imperscrutáveis e arguciosas mas referidas pelo nome, os adultos são óbvios e tépidos mas referidos pelo estatuto. Apenas o professor parece trazer algum equilíbrio e é provavelmente a personagem mais simpática que Haneke já escreveu. Encontra o amor, as suas intenções são honrosas e os seus modos justos, pelo que não é de estranhar ser ele o narrador, aquele que parece tão interessado em compreender o que testemunhou quanto o espectador. No fim, a História assalta-nos e o contexto torna-se relevante. Deveremos nós viver e estaremos nós a viver no mundo de regras que os adultos sustêm, no mundo de liberalismos que as crianças teriam o direito de projectar ou no mundo intermédio do professor e da sua namorada, Eva?

Haneke aponta em várias direcções, sempre com o máximo de espírito crítico e clareza, aqui aumentada pelos contrastes frios da brilhante cinematografia de Christian Berger. A beleza de alguns planos parece sempre ameaçada pelo silêncio dum filme sem banda sonora ou pela prostração das personagens à violência do dia-a-dia. O padre é presenteado com um pássaro pelo filho mais novo, que o criou para substituir o que havia no escritório do pai. Haneke parece pessimista, mas há esperança. The White Ribbon é, ao mesmo tempo, o seu mais acessível e amplo filme - um triunfo dum cinema económico, não-conformista e paciente que Haneke domina como ninguém.

9/10

IMDb 

TRAILERS: Dream House (Jim Sheridan, 2011)

Apesar de parecer que o trailer revela metade do enredo e de parecer quase um remake de The Amityville Horror, tem talento humano para ser um grande filme!

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Nightsongs (Romuald Karmakar, 2004)

Ele passa o dia no sofá a ler e a escrever. Ela passa o dia a andar dum lado para o outro a queixar-se. Eles são casados, têm um bebé e absolutamente mais nada que os una. Baseado numa peça do norueguês Jon Fosse, Nightsongs desenrola-se quase na sua totalidade no apartamento dos jovens. Poucas personagens deslizam pelo ecrã, grandes diálogos e monólogos adejam das colunas - fica a sensação de estar a ver teatro filmado, onde cada passo dum actor foi planeado ao milímetro e cada palavra foi escolhida com excessiva diligência.

Os pais dele prestam uma visita, mas ficam pouco tempo. Parecem rígidos e inadequados. Ele não trabalha e os seus escritos não são publicados. Ela faz tudo e lamenta não ter a vida social de antigamente. Não há mais amor entre este casal, apenas hábito ou até vício, o que o leva a depender da mulher para tudo e a leva a sentir-se forçada a agarrá-lo. Quando ela decide quebrar o marasmo e sair à noite, apenas podem surgir conflitos. O que resta saber é se deles sairão soluções.

Frio e moroso, Nightsongs é servido por realização e iluminação eficazes a transmitir a ideia do vazio total que há nesta casa e nesta relação, numa noite tácita de confronto com a realidade, mas Karmakar não consegue ultrapassar a previsibilidade do argumento, as personagens desinteressantes e o ritmo entediante. Ninguém levanta a voz, ninguém se zanga, apenas sofrem educadamente, mal se ferem com o que dizem. É exasperante. Dar a uma peça espessura suficiente para ser um bom filme é um esforço bem-intencionado mas tantas vezes mal direccionado - aqui está, infelizmente, mais uma prova...

4/10

IMDb 

sábado, 10 de setembro de 2011

NOTÍCIAS: Veneza 2011

Faust, o novo filme do antigo aluno de Tarkovsky, Sokurov, ganhou o Leão de Ouro no Festival de Veneza 2011.

Leão de Ouro: Faust, Aleksandr Sokurov
Melhor Realizador: Shangjun Cai por Ren Shan Ren Hai
Melhor Actor: Michael Fassbender por Shame
Melhor Actriz: Deanie Yip por Tao Jie
Melhor Argumento: Yorgos Lanthimos, Efthimis Filippou por Alpis
Melhor Cinematografia: Robbie Ryan por Wuthering Heights

Site do Festival de Veneza

POSTERS: The Shining (Stanley Kubrick, 1980)

The Shining e o maldito triciclo.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

The Secret In Their Eyes (Juan José Campanella, 2009)

2009 deveria ter sido o ano da consagração universal de Michael Haneke. Com The White Ribbon, o realizador austríaco ganhou a Palma de Ouro em Cannes, o Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro e estava nomeado para o Óscar com a mesma designação. Deveria, mas não foi, e The Secret In Their Eyes foi o culpado. Com Juan José Campanella por detrás das câmaras, alguém com a realização de episódios de Dr. House como ponto de maior interesse no currículo, este não pareceria sequer, à partida, um candidato a derrubar o favorito Haneke nos maiores prémios do cinema americano. À partida.

The Secret In Their Eyes é um thriller discreto. Já foram feitos episódios de CSI mais complexos, mais estrondosos ou mais chocantes. Não, a sua essência não passa por ai. O caso é resolvido a meio do filme, as explosões à Hollywood são substituídas por montanhas de burocracia e a única cena susceptível de ferir sensibilidades aparece logo no início e rapidamente. Benjamin Esposito (Ricardo Darin) não esquece o caso Morales. Agente federal retirado, divorciado, decide dedicar-se a escrever um livro sobre o passado que nunca esqueceu.

O filme desdobra-se em duas linhas temporais diferentes. Enquanto no presente Esposito tenta completar o puzzle da sua vida e juntar as peças do caso e da sua amizade com Irene (Soledad Villamil), a sua eterna superior e destinatária do seu amor nunca confessado, mais de 20 anos antes o agente é chamado a investigar a violação e assassínio de uma jovem, Liliana, casada com Morales. Parte da eficácia do filme passa por aqui, no equilíbrio entre o que está para resolver e o que ainda não foi resolvido, mas também no equilíbrio entre a seriedade que a história exige para nos tocar e a descontracção que as personagens precisam para respirar.

Esposito e o seu colega Sandoval esbarram constantemente contra a hipocrisia do sistema, a devoção (primeiro) e a conformação (mais tarde) de Morales e os seus próprios problemas. Apesar do apoio precioso de Irene, parece que nunca conseguem dar ao caso uma conclusão satisfatória. Nem ao caso, nem às suas vidas. Sandoval é um alcoólico inveterado; Esposito é um eterno solitário. A sua química com Irene é inegável, mas não lhe consegue dar seguimento. Os olhos falam e ambos parecem insatisfeitos. Daí a importância do presente. Porque nunca é tarde demais para tentar viver uma vida cheia, para encontrar respostas.

O estilo é moderno e sóbrio e Campanella eleva o seu trabalho a outro patamar numa set-piece central que engloba a captura do suspeito principal do assassínio de Liliana num estádio. Estou a salientar esta cena porque é um dos planos-sequência mais geniais que já vi - começa com um plano aéreo, vemos o jogo a decorrer e as bancadas cheias, a câmara parece fazer um voo picado sobre o relvado e encontrar Esposito na bancada, movendo-se entre os fãs até encontrar quem procura e o perseguir dentro do estádio até o apanhar. Filmado em várias fases, primeiro de helicóptero, depois com gruas e, por fim, com câmaras mais móveis, tem um total de 7 cortes disfarçados em computador para criar o efeito de continuidade final. É uma maravilha da tecnologia.

Perto do fim, Irene e Esposito discutem o dramatismo negativista e lamechas do último capítulo do livro dele. The Secret In Their Eyes não acaba da mesma forma, antes pelo contrário, contido mas com um piscar de olho e um sorriso. É curioso que alguém como Campanella, com um passado tão ligado à televisão, tenha inviabilizado Haneke, um grande crítico da caixa mágica, de receber uma honra tão grande como o Óscar, mas a qualidade de The Secret In Their Eyes é incontornável - uma agradável surpresa.

8/10

IMDb 

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

TOP5: Nova Iorque

05. The Fisher King (Terry Gilliam, 1991)
Um belo conto de Gilliam, de todos os seus filmes é o que tem melhor história, maior coração. O baile em Grand Central Station é inesquecível.

04. The Pawnbroker (Sidney Lumet, 1964)
Um dos filmes americanos mais subestimados de sempre. Sempre atrás de um Rod Steiger electrizante, mostra partes de Nova Iorque que raramente aparecem no grande ecrã.

03. 25th Hour (Spike Lee, 2002)
Spike Lee filma Nova Iorque com amor, na ressaca do 11 de Setembro.

02. Manhattan (Woody Allen, 1979)
Um local que se confunde com a própria cidade. Woody Allen em grande (e a preto e branco).

01. Taxi Driver (Martin Scorsese, 1976)
Inesquecível, o retrato duma Nova Iorque imensa e infernal, Robert DeNiro e Martin Scorsese juntam forças num filme mítico.

Landscape In The Mist (Theodoros Angelopoulos, 1988)

Banda sonora de Eleni Karaindrou para o filme Landscape In The Mist. Um dos mais emotivos temas de sempre.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

The Raven (Lew Landers, 1935)

Bela Lugosi ou Boris Karloff, Dracula ou Frankenstein? Qual dos dois actores o mais carismático, qual dos dois filmes o mais mítico? Perguntas difíceis de responder. Fácil mesmo será, para quem aprecia filmes de terror vetustos, ter altas expectativas antes de ver um que os juntou no grande ecrã, como é o caso com The Raven.

Tudo começa com um acidente nocturno de automóvel que deixa uma mulher, Jean, às portas da morte. Num rápido entrecorte de cenas, ficamos a saber que Lugosi é um cirurgião respeitado, que é obcecado com Edgar Allan Poe, que salva Jean no bloco operatório e que é um excelente organista (facto que se revela irrelevante). Claro que isto é só a superfície. A estima pelo autor americano é um pretexto para o Dr. Vollin canalizar o seu temperamento violento, o que o leva a construir máquinas de tortura na sua cave, a sentir fascínio pela dor e pela morte (em especial por símbolos que lhe são associados, como os corvos) e a perseguir uma mulher que não pode ter, precisamente a mulher que curou e que é noiva de um colega.

Karloff interpreta Bateman, um pobre coitado com historial criminoso e procurado pela polícia, que Vollin manipula para atingir o seu fim (que passa por eliminar quem for preciso para ter Jean), sob o pretexto de lhe conseguir mudar a aparência, que peca por não ser muito agradável e por aparecer demasiado nos jornais...

Claro que é conveniente demais que Bateman apareça de um momento para o outro à porta do cirurgião e que a realização nas cenas de maior acção é algo arcaica, senão mesmo amadora, mas há uma aura de mistério e um charme sombrio que só os tons cinéreos, o ritmo lento e as caras inesquecíveis características deste tipo de filmes conseguem atingir, basta ver aqui a cena em que Vollin retira as ligaduras da cara de Bateman para revelar um rosto ainda mais disforme que inicialmente. The Raven não é uma obra-prima, mas quem, ao saber da sua existência, fica com as expectativas altas o suficiente para o procurar, ver e ler até ao fim textos como este sobre ele, não deverá ficar desiludido.

7/10

IMDb 

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Shutter Island (Martin Scorsese, 2010)


Para um cineasta cinéfilo e adepto confesso de thrillers históricos e do género film-noir como Martin Scorsese, realizar um filme nos mesmos moldes terá sido sempre uma tentação. Se em 2007 se ficou por uma curta com claras influências de Hitchcock (The Key To Reserva), em 2010 não resiste a atirar-se de cabeça para a conversão ao cinema do livro Shutter Island de Dennis Lehane (o mesmo autor de Mystic River). Denso, povoado por reviravoltas e flashbacks, a roçar o terror, este argumento parece algo atípico no currículo de Scorsese... ou se calhar nem por isso.

O facto é que os filmes do realizador americano têm experimentado mudanças em forma, mas não em conteúdo. Seria difícil imaginá-lo nos anos 80 a preocupar-se com uma narrativa ou a preterir virtuosismos com a câmara para homogeneizar o conjunto, mas The Departed parece ter demarcado uma nova fase na sua carreira (o próprio terá dito há alguns anos que esse foi o seu primeiro filme com enredo, afirmação que não parecerá totalmente verídica para quem já viu Cape Fear) e Shutter Island aparece também nesse seguimento.

No entanto, não deixa de ser um filme visualmente fascinante, com uma atmosfera intimidante, e sobre temas recorrentes, em especial sobre violência, claro. Que consequências tem a violência na psique humana? O que nos leva a incorrer em actos violentos? Que justificação, se alguma, pode ter uma conduta violenta? Será a violência intrínseca à nossa natureza? Scorsese pergunta, Teddy (Leonardo DiCaprio) procura responder. Isolado numa instituição em forma de ilha para criminosos insanos, este agente federal deslinda o desaparecimento de uma mulher lá internada.

Perseguido pelos seus próprios traumas (como num bom film-noir, a história já vai a meio quando a acção principia), Teddy tem também a sua agenda pessoal neste caso: encontrar o pirómano que causou o incêndio em que morreu a sua mulher, Dolores (Michelle Williams). Enxaquecas e fotossensibilidade minam-lhe o bem-estar físico e mental, mas Teddy prossegue a sua investigação a todo o custo, apesar da relutância em colaborar dos responsáveis pela instituição, Dr. Cawley (Ben Kingsley num papel enigmático e muito bem conseguido) e o germânico Dr. Naehring (Max von Sydow), que desperta em Teddy memórias do Holocausto, que presenciou, in loco, enquanto militar participante na libertação do campo de concentração de Dachau.

Leonardo DiCaprio (alguém lhe dê um Óscar, por favor...) é fenomenal a fazer transparecer gradualmente o comportamento paranóico e incoerente da sua personagem. Cada nova cena parece aumentar a incerteza do seu destino, e para isso muito contribui também o negrume do trabalho de fotografia de Robert Richardson. Com Shutter Island, um dos seus filmes mais complexos a nível psicológico e sociológico, Martin Scorsese continua em alta, como sempre olhando para o passado para seguir em frente, apoiando-se na história do cinema para suportar o seu presente.

9/10