Mostrar mensagens com a etiqueta 1997. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta 1997. Mostrar todas as mensagens

domingo, 30 de abril de 2017

Mother And Son (Aleksandr Sokurov, 1997)

Mother And Son é um filme que, pela estética naturalista, pelo ritmo moroso e pelas passagens filosóficas sobre a condição humana, pouco oferece que possa rebater as frequentes comparações que se fazem entre Sokurov e Tarkovsky. É verdade que Sokurov já abordou, na sua longa filmografia, vários temas e já alterou a sua execução vezes suficientes para poder ser considerado um original e reputado autor por mérito próprio, mas há a noção de que, espaçadamente, presta vassalagem ao seu mestre de formas mais ou menos óbvias. Bem, quando a qualidade do trabalho acaba por ser tão elevada como é em Russian Ark (em que Sokurov eleva ao paroxismo as ideias de Tarkovsky sobre o controlo da passagem do tempo e da transição entre espaços abusando do plano-sequência num filme sem cortes, dentro de um museu em que cada sala nos remete para um período diferente da história da Rússia) ou como é neste Mother And Son só se pode mesmo louvar as suas tentativas.

Como ponto de partida, temos um filho a cuidar da sua mãe moribunda numa casa de campo perdida algures numa paisagem bucólica e húmida. Vemos que o seu dia-a-dia se resume a passeios longos pela floresta que os rodeia, a sestas constantes, a ver o tempo passar com uma lassidão com o seu quê de nostálgica, a recordar o passado e à espera do fim, da morte da mãe. O filme não pretende propriamente chegar a lado nenhum, apenas transmitir um sentimento do mais profundo e silencioso pesar, dor pela perda que se aproxima, e é difícil não ser contagiado por essa espécie de miasma, pela forma tão etérea com que explora a mortalidade. É na construção dessa atmosfera e de imagens extremamente delicadas que vemos quem é a grande referência de Sokurov.

Talvez se possa dizer que é um filme mais negro que os de Tarkovsky. Sim, aqui não há grandes dúvidas quanto ao destino ou quanto à sanidade das personagens como em Offret, não há o fascínio pelos atos que transcendem a nossa natureza e escapam a qualquer explicação, como aquela espécie de telepatia no fim de Stalker e a que vulgarmente classificamos como milagres, não, aqui há claustrofobia, há remorsos, há morte, mas tudo isso é pura poesia, a morte é assustadora, mas é tão merecedora dos mais belos filtros de câmara (usando vidro, espelhos e tinta, Sokurov altera, comprime as imagens em várias direções, como se a pressão da situação que a mãe e o filho estão a viver fosse tal que o próprio mundo que os rodeia é afetado) e dos mais belos enquadramentos possíveis, especialmente em atos inevitáveis de grande ternura. Por isso, Mother And Son é uma experiência arrebatadora. Assim, simples, evocativo e sem enredo. Por isso, Mother And Son é Tarkovsky. Mas, não sejamos injustos, é, acima de tudo, Sokurov.

9/10

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

A Casa (Sharunas Bartas, 1997)


O ficheiro .srt que acompanhava a versão que comprei algures na internet com 100% de desconto informava-me que A Casa continha apenas 42 linhas de diálogo, todas proferidas no início ou no fim, um prefácio e um epílogo breves, a emoldurar o que só poderia ser um filme que se move à velocidade de um caracol, vindo do sempre indolente Sharunas Bartas. Depois de Three Days ou Few Of Us, mais indicados em cenários cirúrgicos como substitutos na administração de anestésicos, só podia estar prestes a vivenciar uma relação causa/efeito com a minha próxima sesta.

Não podia estar mais enganado; A Casa é um festim de efeitos especiais, que faria corar Michael Bay. Depois de uns espectaculares planos de pombas a esvoaçar por uma sala poeirenta, que devem ter exigido green screen a torto e a direito, mais seis meses de pós-produção em frente ao computador, o protagonista aparece pela primeira vez a acordar de um sono profundo e a ser imediatamente testado em cenas de uma exigência física ímpar, como a andar, a caminhar, a deambular e até a vaguear pela casa do título!

Eu sei que isto parece uma introdução já de si bastante intensa, mas têm de acreditar quando digo que isto não é nada comparado com o que se segue. Outras pessoas vivem ali e não falam umas com as outras, aumentando assim a incerteza do enredo. As nuances são intricadas e quase se diria que alguém esconde um terrível segredo. Estarão afectados por um vírus que causa mudez? Terá toda a gente perdido a sua roupa em batalhas com zombies esfomeados? Estará o rapaz a imaginar tudo? A incerteza é de cortar à faca.

São duas horas que passam num instante. Há muito tempo que não via algo que se comparasse no género de “filmes que mostrem crianças nuas a brincar no meio de veludo” ou de “filmes em que um senhor de ascendência africana joga xadrez sozinho e perde”. A montagem merece elogios, e chegamos a ver dois cortes por cada hora, algo impensável, mesmo com a tecnologia actual. Bartas reinventa-se completamente e assina aqui uma obra-prima de causar palpitações ao espectador mais corajoso. Ou não.

2/10

sábado, 6 de setembro de 2014

Path To Paradise (Leslie Libman, Larry Williams, 1997)

A administração de Bill Clinton ficará para sempre marcada pela impugnação do mandato, na sequência do escândalo Lewinsky, o que é sintomático da ingenuidade ou alheamento relativamente a questões mais sérias que um período de estabilidade social e económica como os anos 90 pode semear, copulado com o crescente poder de manipular a informação e de a disseminar rapidamente dos media. Em retrospetiva, devia ser embaraçoso para a América que todas as atenções tenham sido voltadas para um vestido com manchas numa altura em que o país devia estar grato pelo baixo desemprego, baixas taxas de inflação ou baixo crime atingidos entre 1993 e 2001… mas também atento para as movimentações no mundo árabe, em especial para as possíveis consequências de terem treinado e armado organizações terroristas, sem ideologia clara para além do caos e que prestavam vassalagem a ninguém.

O cúmulo dos ataques registados no dia 11 de Setembro de 2001 é que não houve falta de avisos, e aqui podemos chegar ao real nadir da passagem de Clinton pela Casa Branca: não autorizar a morte de Osama Bin Laden quando teve oportunidade para o fazer em 1999. O líder da Al-Qaeda já havia emitido por duas vezes apelos para uma guerra santa contra os EUA e patrocinado vários ataques bombistas. Um deles acontecera em 1993 no World Trade Center e é o foco deste filme.

Apesar de todo este contexto, Path To Paradise põe a política de lado e concentra-se em recapitular a preparação da detonação e as investigações do FBI, antes e depois, com grande precisão. Logo no início temos a imagem assustadora dos terroristas a treinar tiro ao alvo em Jersey City, com as Torres Gémeas em pano de fundo, do outro lado do rio Hudson. Todos eles frequentavam a mesquita do sheik Omar Abdel Rahman, um clérigo cego conhecido pelas suas posições extremistas contra o Ocidente, ou seja, também ele estava integrado na sociedade que odiava, como todos os intervenientes.

A atitude dos serviços secretos é a do deixa andar, mesmo quando têm um informador a avisá-los do que pode estar para vir, que dispensam por ele exigir 500 dólares por semana como compensação pelos riscos que estava a correr. Mais tarde são forçados a pagar-lhe 1 milhão e a fazê-lo desaparecer. Com clareza e detalhe, o argumento e a realização nunca perdem o rumo e escalpelizam a incompetência e as incongruências de ambos os lados, bem como as consequências das suas ações.

Para o espectador sobra um sentimento enorme de raiva, pois fica patente a ideia de que tanto o ataque de 1993 como o de 2001 (vendo o filme agora é impossível não estabelecer paralelos) podiam ter sido impedidos com o correto funcionamento das instituições, menos burocracia e melhores decisores. Também é verdade que a compulsão dos EUA de intervirem no que não deviam nem percebem precisa de terminar, mas não há defesa para bárbaros que matam contra um determinado estilo de vida enquanto usufruem do mesmo. O filme é profético na ameaça que deixa do risco de futuros atentados no solo americano em nome de Alá e da religião da paz, nomeadamente na última cena, onde um dos conspiradores é transportado pelo FBI de helicóptero sobre o WTC e diz “next time we’ll bring them both down.” Se calhar havia assuntos mais importantes que um broche ao presidente.

8/10