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domingo, 18 de setembro de 2016

Cannibal Holocaust (Ruggero Deodato, 1980)

Fita icónica do exploitation italiano dos anos 80, Cannibal Holocaust é um dos filmes mais viscerais alguma vez feitos. Pode-se discutir as polémicas que o envolveram, pode-se discutir as intenções do conteúdo, a uns pode fascinar, a outros pode repugnar, mas ninguém fica indiferente aos níveis de realismo e de intensidade que são impostos do início ao fim. Por muito exagerada que pareça a história, por muito descuidado que seja em termos técnicos, esta é uma experiência capaz de fazer qualquer um contorcer-se na cadeira, o que, por si só, representa um triunfo cinemático.

A viagem de uma equipa jornalística americana que se perde na selva amazónica, sendo descobertos, dois meses depois, apenas os vídeos que gravaram durante a sua expedição à procura de tribos indígenas canibais, tem todos os ingredientes para uma chacina de fazer virar o estômago. Realmente, vemos mulheres empaladas, animais mortos, violações em grupo e, claro, sangue a esguichar em cascatas. Se juntarmos a isto as condições exigidas por Deodato para criar a ideia de que se estaria perante um documentário e não de ficção, desde o estilo caseiro das filmagens às cláusulas nos contratos dos atores para não aparecerem em público durante um ano após a estreia, compreende-se que tenham surgido rumores de que muito de Cannibal Holocaust era verdade, ao ponto de a justiça ter sido forçada a abrir uma investigação.

Em todo o caso, muito além desta javardice, merece destaque um aspeto que não salta tanto à vista, que é a estrutura do argumento. Inicialmente segue-se o cientista Monroe, que se aventura no interior da América do Sul com dois soldados para apurar o paradeiro dos repórteres. Acaba por se deparar com a tribo que lhe fornece as tais cassetes, que leva consigo para análise nos EUA. A cadeia televisiva que financiou a expedição inicial solicita uma projeção privada das mesmas, pois têm os seus direitos e podem decidir tornar as imagens públicas. Só nesta altura começa o festim gore e os executivos presentes desistem da intenção de transmitir ao verem os últimos minutos, quando a bizarria se torna, para qualquer espectador, quase impossível de tolerar e conter os vómitos.

Assim, tem-se duas viagens intercaladas e apresentadas em ordem cronológica inversa, aumentando-se a expectativa, na certeza de que nada pode preparar para tanta violência. Os críticos teceram teorias sobre desprezo pelo sensacionalismo dos media, Deodato respondia que apenas queria fazer um filme com canibais. Seja como for, escorre uma enorme torrente de antropofobia, sendo difícil sentir o que quer que seja tanto pelas tribos ameaçadas por gente supostamente civilizada como pela gente civilizada ameaçada por tribos supostamente selvagens. Onde estão os verdadeiros canibais fica ao critério de cada um.

7/10

sábado, 15 de agosto de 2015

Friday the 13th (Sean S. Cunningham, 1980)

Há superstições para tudo. Algumas têm a sua origem em crenças antigas, amiúde infundadas, que se transmitiram de geração em geração sem que alguém saiba bem porquê, lembro-me dos pés de coelho. Outras parecem mais medidas de segurança, passar por baixo de uma escada pode não ser uma boa ideia, corre-se o risco de levar na cabeça com alguém com pouca noção de equilíbrio. Cruzar caminho com um gato preto faz sentido, ou qualquer gato, já que estou nesta temática, porque toda a gente sabe que são criaturas traiçoeiras, enviadas para a Terra pelo Diabo. Mas e os espelhos? Bater na madeira? Ou, mais desconcertante, o medo de que o calendário e a matemática estejam a conspirar em conjunto para nos prejudicar num dia tão específico e aleatório como as sextas-feiras treze?

Claro que tudo isto é terreno fértil para o cinema de terror. Depois do sucesso de Halloween em 1978, os assassinos em série ganharam o seu próprio subgénero, os filmes slasher, e multiplicaram-se ao longo dos anos 80. Este Friday The 13th foi uma das primeiras tentativas de replicar a fórmula. O dinheiro choveu de todos os lados, as sequelas não demoraram muito a aparecer, e, mais tarde, os remakes. Que grandes atributos lhe podemos atribuir? Um ambiente de cortar à faca? Uma narrativa aliciante? Inovações tecnológicas? Um psicopata memorável? A respota é “nope” a tudo, pelo menos neste primeiro tomo. Aquela lentidão e estranheza ubíqua que se entranham quando se vê o filme de John Carpenter não encontram rival aqui, o cenário do lago idílico é muito mais suspeito em Let’s Scare Jessica To Death, a originalidade da história de A Nightmare On Elm Street está a milhas, não se pode esperar grandes planos num low budget destes e o mítico Jason Voorhees marca presença num total de 0,0035 segundos e com um aspeto muito diferente do brutamontes com máscara de ski a que estamos habituados.

Portanto, uma desilusão a vários níveis. Trinta e tal anos antes, o Camp Crystal Lake era um paraíso para os pais que gostam de se livrar das crianças e adolescentes quando entram de férias no Verão. Isto até ao ano em que dois monitores foram assassinados perante freeze frames patéticos e o tempo passa até algum iluminado se lembrar de desafiar o destino e o reabrir. Logo na primeira noite, enquanto os novos monitores ainda estão a conhecer os cantos à casa e aos corpos uns dos outros, alguém os persegue, como que por vingança. Claro que com tantas hormonas à solta e sangue a espirrar, Friday The 13th cativou audiências mais jovens. A traqueia do Kevin Bacon é trespassada com uma seta, o que é espetacular. Nada contra o Kevin Bacon. Já agora, como é que o Kevin Bacon atende uma chamada? A dizer “tou-cin-ho?”.

4/10

terça-feira, 23 de abril de 2013

Kagemusha (Akira Kurosawa, 1980)


Na altura em que a Nova Hollywood se instalava em pleno e originava os primeiros blockbusters de sempre como Jaws e Star Wars, Kurosawa andava nas ruas da amargura. O falhanço logístico de Tora! Tora! Tora!, as crises de alcoolismo e a eventual tentativa de suicídio em 1971 ameaçavam acabar com a sua carreira, até ao momento em que a globalização se apresentou ao serviço e uniu os dois mundos. George Lucas nadava em dinheiro com o sucesso da sua space opera e fazia questão de vincar a influência do realizador japonês, pelo que ao saber do seu mau momento propôs-se, com o apoio da 20th Century Fox, a contribuir para reverter a situação e a produzir Kagemusha.

Kurosawa havia já estruturado a história em papel e em tela, tendo o argumento escrito e quadros pintados para deixar um registo dos seus projectos caso não os pudesse concretizar. Talvez todo esse planeamento explique a coesão do filme, cujos 180 minutos de duração passam sem uma cena a mais e com um ritmo nem demasiado rápido ao ponto de parecer apressado, nem demasiado lento ao ponto de se tornar aborrecido, algures a meio caminho entre a acção de Seven Samurai e o desassossego de Sansho The Bailiff. Que as espadadas entre guerreiros estejam épicas não é nada de novo, mas Kagemusha surpreende por ser também uma experiência emocional e não só uma aventura.

Situada, como habitualmente, no Japão feudal, cujo sistema político, social e económico assentava na lealdade, posse de terras e serviço militar, encontramos um ladrão sentenciado à morte a receber uma segunda oportunidade como duplo de um poderoso shogun, os comandantes militares que reinavam de facto o país. O fascinante primeiro plano estabelece logo a viabilidade da ideia, sendo impossível distingui-los, pelo menos a meia distância. Ambos os papéis são interpretados por Tatsuya Nakadai, o que ajuda, e nunca um actor esteve tão bem num filme de Kurosawa, deixando a milhas os berros de Toshirô Mifune ou os olhos de cachorro mal morto de Takashi Shimura.

Quando Shingen é mortalmente ferido, o sósia é forçado a tomar o seu lugar durante três anos e, ao contrário da aparência física, a cultura dos dois não podia ser mais díspar. O primeiro exala respeito e códigos bem definidos, pelo que é compreensível a reverência dos seus seguidores, mas ainda mais tocante consegue ser a necessidade do segundo de agradar e cumprir a sua missão, mesmo que cheio de dúvidas (como reflecte um surreal sonho, o meu momento preferido). As brincadeiras com o neto do homem que substitui são um misto magistral de desconforto e afecto. Esta dimensão só tem rival em Ran (1985), o que me obriga a agradecer a… George Lucas, pela preponderância no regresso de Kurosawa.

8/10