Fita icónica do exploitation italiano dos anos 80, Cannibal
Holocaust é um dos filmes mais viscerais alguma vez feitos. Pode-se discutir as
polémicas que o envolveram, pode-se discutir as intenções do conteúdo, a uns
pode fascinar, a outros pode repugnar, mas ninguém fica indiferente aos níveis
de realismo e de intensidade que são impostos do início ao fim. Por muito
exagerada que pareça a história, por muito descuidado que seja em termos
técnicos, esta é uma experiência capaz de fazer qualquer um contorcer-se na
cadeira, o que, por si só, representa um triunfo cinemático.
A viagem de uma equipa jornalística americana que se perde
na selva amazónica, sendo descobertos, dois meses depois, apenas os vídeos que
gravaram durante a sua expedição à procura de tribos indígenas canibais, tem
todos os ingredientes para uma chacina de fazer virar o estômago. Realmente,
vemos mulheres empaladas, animais mortos, violações em grupo e, claro, sangue a
esguichar em cascatas. Se juntarmos a isto as condições exigidas por Deodato
para criar a ideia de que se estaria perante um documentário e não de ficção,
desde o estilo caseiro das filmagens às cláusulas nos contratos dos atores para
não aparecerem em público durante um ano após a estreia, compreende-se que
tenham surgido rumores de que muito de Cannibal Holocaust era verdade, ao ponto
de a justiça ter sido forçada a abrir uma investigação.
Em todo o caso, muito além desta javardice, merece destaque
um aspeto que não salta tanto à vista, que é a estrutura do argumento.
Inicialmente segue-se o cientista Monroe, que se aventura no interior da
América do Sul com dois soldados para apurar o paradeiro dos repórteres. Acaba
por se deparar com a tribo que lhe fornece as tais cassetes, que leva consigo
para análise nos EUA. A cadeia televisiva que financiou a expedição inicial
solicita uma projeção privada das mesmas, pois têm os seus direitos e podem
decidir tornar as imagens públicas. Só nesta altura começa o festim gore e os
executivos presentes desistem da intenção de transmitir ao verem os últimos
minutos, quando a bizarria se torna, para qualquer espectador, quase impossível
de tolerar e conter os vómitos.
Assim, tem-se duas viagens intercaladas e apresentadas em
ordem cronológica inversa, aumentando-se a expectativa, na certeza de que nada
pode preparar para tanta violência. Os críticos teceram teorias sobre desprezo
pelo sensacionalismo dos media, Deodato respondia que apenas queria fazer um
filme com canibais. Seja como for, escorre uma enorme torrente de antropofobia,
sendo difícil sentir o que quer que seja tanto pelas tribos ameaçadas por gente
supostamente civilizada como pela gente civilizada ameaçada por tribos supostamente
selvagens. Onde estão os verdadeiros canibais fica ao critério de cada um.
7/10
Sem comentários:
Enviar um comentário