segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Re-Animator (Stuart Gordon, 1985)

A história original de H.P. Lovecraft que deu origem a Re-Animator não é considerada uma das suas melhores, mas a verdade é que, muito por causa deste filme, é hoje das mais conhecidas. E porque não? A estreia de Stuart Gordon na realização é visceral, multidimensional e recheada de momentos inesquecíveis no sempre criativo plano do cinema de terror. O conto de um médico brilhante e obsessivo que desenvolveu um soro com o poder de ressuscitar os mortos é extremamente sangrento, afinal uma das personagens transforma-se numa espécie de zombie decapitado que carrega a sua cabeça nas mãos.

Porém, Re-Animator é muito mais do que um festim gore. O duelo entre Herbert West e Carl Hill é um manancial das falhas de carácter que, por vezes, se tornam na parte mais visível das grandes mentes, desde arrogância extrema a perversões sexuais. Quando os avanços da ciência acarretam dilemas morais, até que ponto se deve desafiar as convenções, contribuirão todas as descobertas para a melhoria de vida e serão os senhores doutores que passam o tempo fechados em escritórios e laboratórios os melhores juízes das suas próprias responsabilidades e das consequências dos seus trabalhos?

Dan Cain representa uma perspectiva mais romântica do mundo da saúde, provavelmente seguiu essa área porque queria salvar pessoas e curar doenças, diverte-se a namorar a filha do director da faculdade e é ingenuamente arrastado para cenários que o ultrapassam. Tanto no início como no fim vê uma mulher morrer-lhe nos braços na sala de emergência, o filme rejeita uma resolução pacífica e acaba quando o espírito de Cain é quebrado, ainda que seja o que menos sofre fisicamente. A violência exagerada também dá azo a algum humor negro, só que é este pessimismo implacável que o eleva.

Inspirado pela série de adaptações que Roger Corman fez de Edgar Allan Poe, Stuart Gordon voltou a Lovecraft várias vezes, incluindo um ano depois com From Beyond, onde até repetiu os actores Jeffrey Combs (sempre intenso) e Barbara Crampton (sempre em forma). No entanto, só em Re-Animator é que alguém é aprisionado por intestinos rastejantes. As mutações corporais e os ambientes claustrofóbicos obrigam-nos a um exercício crítico perante as evoluções da medicina, relembrando que os códigos de ética foram escritos e são subscritos por humanos, não sendo, por isso, infalíveis.

8/10

domingo, 22 de dezembro de 2013

TCN Blog Awards 2013

Eis que chega Dezembro e, com ele, o frio, o Natal, as rabanadas (de forno e, por vezes, de vento) e também mais uma edição dos TCN Blog Awards, os prémios preferidos da blogosfera nacional de entretenimento e da eurodeputada Edite Estrela, que marcou presença enquanto convidada, bem como a actriz Ana Moreira, a directora da revista Empire Sara Afonso, os jornalistas Vítor Moura, Joana Latino e Rita Marrafa de Carvalho, os filhos de Rita Marrafa de Carvalho, entre outros.

Como sempre, a condução do evento pelo Manuel Reis é um verdadeiro "tour de france" de comédia, energia e improviso e, mesmo que o seu podcast no TVDependente não tenha sido nomeado para Melhor Iniciativa este ano, a sua boa disposição é contagiante e essencial. Podia era ter avisado que me ia chamar a palco para uma rábula adaptada d'O Preço Certo em Euros. Não por eu ter problemas em encarar o público, apenas porque me tinha dado tempo de comprar um queijo da Serra para lhe oferecer.

Continua a ser um orgulho e uma surpresa ver o meu nome entre os nomeados mais uma vez na categoria de Melhor Crítica de Cinema, aquela que premeia o que mais gosto de fazer, escrever sobre filmes. Em três anos fui nomeado quatro vezes, o que, a juntar à excelente reposta que recebi dos meus colegas bloggers e que recebo de vocês, seguidores, regularmente, me deixa humilde. Muitos parabéns à Catarina D'Oliveira pela vitória com um texto sobre o Side Effects no Close-Up.

Estendo a mesma saudação aos restantes vencedores, com uma ressalva especial também para o Tiago Ramos (Split Screen), os irmãos Teixeira (Caminho Largo) e a Sofia Santos (girl on film), meus colegas no Círculo de Críticos Online Portugueses (CCOP), por terem levado uma claquete para casa cada. A organização foi inexcedível, e, tirando alguns problemas técnicos da praxe (se bem que desta feita tenha sido possível ver e ouvir as curtas planeadas, Branco e M Is For Macho), tudo correu às mil maravilhas.

Uma última palavra de apreço para o Francisco Rocha (My Two Thousand Movies) pela companhia e a boleia antes da cerimónia, aos irmãos Teixeira, que, comigo, formaram uma secção exclusiva a engenheiros no auditório, ao Nuno Reis (Antestreia) pela paciência durante o jantar (juntamente com o Manuel Reis, a Rita Santos do Not a film critic e o irmão Manuel) e a viagem de regresso, e à CP, que bem podia ser um dos patrocinadores dos TCN Blog Awards. Talvez assim a minha viagem fosse mais barata!

Vencedores:
Blogger do Ano: Aníbal Santiago (Rick's Cinema)
Melhor Blogue Individual de Cinema: Caminho Largo
Melhor Blogue Colectivo de Cinema: À Pala de Walsh
Melhor Blogue de TV: TVDependente
Melhor Novo Blogue: A Janela Encantada
Melhor Crítica de Cinema: Side Effects (Close-Up)
Melhor Artigo de Cinema: Terror no Cinema (Movie Wagon)
Melhor Iniciativa: Um Filme, Uma Mulher (girl on film)
Melhor Rubrica: Brain-Collection (brain-mixer)
Melhor Reportagem: Fantasporto 2013 (Split Screen)
Melhor Entrevista: Sasha Grey (À Pala de Walsh)
Melhor Site: APS Portugal
Prémio Memória: Cláudia Arsénio (Wasted Blues)

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Mrs. Miniver (William Wyler, 1942)

Quando Winston Churchill declara que um certo filme fez mais pelo esforço da Inglaterra na Segunda Guerra Mundial do que uma esquadrilha de navios, não há muito a acrescentar. Estou a falar de Mrs. Miniver, um melodrama sobre uma família burguesa que vive pacificamente nos arredores de Londres e é indelevelmente afectada pelo conflito. Como diz o padre da paróquia local, entretanto destruída por ataques aéreos, mas cheia como sempre, o povo foi chamado a participar, por força das circunstâncias, pela dimensão da destruição e pela ameaça do totalitarismo nazi, e não está no seu carácter fraquejar nestes momentos.

Apesar de a produção ser americana (os mais atentos repararão nos bamboleantes sotaques), aquilo a que se convencionou apelidar de qualidade britânica faz algum sentido aqui: a contenção sólida a todos os níveis e a atenção ao detalhe, sem grandes inovações e simplesmente funcional, dão ao filme o charme que um melodrama sofisticado requer. Começa suavemente, com episódios da vida privilegiada que Vic, o filho mais velho dos Minivers e aluno de Oxford, critica por serem prova da perpetuação do regime feudal, sempre com as mesmas famílias no topo e na base da pirâmide.

Ironicamente, quem lhe chama a atenção para a sua inacção para ajudar os menos desafogados e afortunados é Carol Beldon, a herdeira da referência aristocrática do burgo. Vic apaixona-se por ela, e ainda bem, pois é uma vantagem ter ao nosso lado alguém que nunca se coíbe de dizer a verdade. Aos poucos, a sombra da guerra substitui as compras na baixa, os bailes informais e os concursos de flores e, talvez por querer fazer algo pelo bem comum mas também proteger o que conquistou a nível pessoal, Vic alista-se na Royal Air Force. Ao mesmo tempo, o pai é um dos muitos civis convocados a participar na batalha de Dunkirk.

A importância histórica do filme advém da assumida intenção de Wyler em envolver os EUA na guerra, por acreditar que a luta do Reino Unido era valorosa mas a força nazi tinha de ser combatida com mais aliados. As motivações alemãs e a perigosidade dos seus ideais são vincadas pela raiva, talvez exagerada, talvez não, dum piloto perdido e a monte que entra na casa dos Minivers; é um momento tensíssimo a vários níveis. Efectivamente, a simpatia dos americanos por esta causa aumentou e o próprio realizador voluntariou-se para o exército a seguir, estando ao serviço quando ganhou o Óscar da categoria (o primeiro de três).

É interessante verificar a evolução do cinema em menos de uma década. Cavalcade tinha sido eleito o melhor do ano pela Academia em 1934 - ainda muito influenciado pelo teatro e com uma fotografia deficitária, essa saga familiar britânica está a milhas desta posterior, a nível técnico (o selo de qualidade William Wyler não falha) e de representação (Greer Garson e Teresa Wright em especial têm cenas conjuntas exigentes, que lidam com uma classe à parte). Os créditos finais aparecem, mas o maior conflito armado de sempre estava ainda longe de terminar…

8/10

domingo, 15 de dezembro de 2013

sábado, 14 de dezembro de 2013

CURTAS: Castello Cavalcanti (Wes Anderson, 2013)

Wes Anderson volta a intercalar uma curta entre duas longas-metragens, desta vez emprestando o seu estilo à Prada, outra marca com valores estéticos reconhecidos. O tom cómico sem expressão e os cenários originais estão sempre em destaque, os movimentos de câmara precisos e contínuos também. Uma pequena maravilha.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Grand Hotel (Edmund Goulding, 1932)

Os hotéis são sítios fascinantes: tenham mais ou menos requinte, estejam melhor ou pior localizados, sejam modernos ou antiquados, o simples facto de tanta gente viver temporariamente e deixar um bocado de si em cada quarto, que são imediatamente arrumados de forma a obedecerem a padrões estandardizados de limpeza e aspecto para se parecem como novos outra vez, torna-os como que um depósito de memórias que não deixam vestígios. O músico Moby passou tanto tempo neles que acabou por lhes dedicar um álbum. Umas quantas décadas antes, já alguém fazia uma soliloquia semelhante em Grand Hotel.

A cidade é Berlim. O período é o intervalo entre as duas Guerras Mundiais. Em modo proto-filme-mosaico, várias personagens, quase todas apresentadas numa montagem de telefonemas a ocorrerem em simultâneo nas cabines da recepção, intersectam-se no espaço do título, do qual nunca saímos. Preysing (Wallace Beery) está prestes a vender a sua empresa para mascarar a falência, Kringelein (Lionel Barrymore) é um doente terminal que se entregou à vida loca, Grusinskaya (Greta Garbo) é uma bailarina idiossincrática, von Geigern (John Barrymore) é um larápio com estilo e Flaemmchen (Joan Crawford) é uma estenógrafa boémia.

O que os une, mais do que os encontros e desencontros que se vão sucedendo, é o dinheiro. Não se pode dizer que o filme seja anti-capitalista ou anti-materialista, até porque apresenta com entusiasmo um mundo luxuoso de acesso muito restrito, porém tanto a falta como o excesso dele têm um poder corruptível, levando Preysing a abdicar da sua moral, o barão von Geigern a pôr em risco o amor e apenas trazendo alegria a Kringelein porque este decidiu estourá-lo sem preocupações enquanto pode. No fundo, quando decide partir para outro Grand Hotel, percebemos como tudo é fútil perante a solidão e a morte.

É difícil negar que o filme está datado, como se pode notar especialmente no romance entre o barão e Grusinskaya, que fala sozinha de forma dramática, encontra um estranho escondido no quarto e pimba, apaixona-se por ele. Inovador na época pelos sets construídos (há uns planos magníficos no início que demonstram porquê) e pelo cast (as estrelas são muitas e parecem competir saudavelmente, para benefício do filme, pela interpretação mais memorável - pessoalmente, adoro a frescura de Crawford), o ritmo inconstante fere-o ligeiramente. Resta-lhe ainda muito, muito charme. Afinal, vê-se tanto num grande hotel.

6/10

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

TRAILERS: Inside Llewyn Davis (Ethan Coen, Joel Coen, 2013)

Três anos depois de True Grit, o próximo filme dos irmãos Coen está, finalmente, quase a chegar. Ambientado na cena de música folk dos anos 60 nova-iorquina, cidade repleta de cafés, clubes, boates e cabarets, Inside Llewyn Davis desvia-se dos neo-noir e meandros do crime da maioria dos filmes da dupla, mas a escrita e a realização precisas parecem adaptar-se bem à mudança de cenário. Confesso o meu apreço pelos Coen e estou muito curioso para ver o que prepararam desta vez.