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segunda-feira, 15 de abril de 2013

Orfeu Negro (Marcel Camus, 1959)


O Morro da Babilónia é das favelas mais antigas e conhecidas do Rio de Janeiro. Localizado num cume íngreme que separa a praia de Copacabana da praia de Botafogo, os seus residentes têm uma vista privilegiada sobre o Pão de Açucar das suas decrépitas casas. Dificilmente se encontra um cenário de pobreza que contraste tanto com a beleza natural e das infraestruturas que o rodeiam, logo tem uma qualidade cinemática inegável que não passou ao lado de José Padilha quando fez Tropa De Elite nem de Marcel Camus na altura em que realizou Orfeu Negro.

Separados por quase 50 anos, a documentação das mudanças que o local sofreu com o passar do tempo é talvez única e certamente chocante: no registo visual mais recente vemos um mar de tijolos mal empilhados onde se movimentam traficantes de droga, um ambiente claustrofóbico e ameaçador que assusta até a grande maioria das forças policiais, no mais antigo deparamo-nos com uma comunidade alegre a tentar fazer pela vida, ganhando pouco dinheiro em trabalhos menos recompensadores, mas honestos e livres da criminalidade.

Orfeu Negro não teve a recepção mais consensual no país que retrata na altura do seu lançamento, tendo sido criticado por apresentar irrealisticamente o Brasil como uma festa constante, o que é verdade, mas falha o propósito do filme. Muito antes de Baz Luhrmann transformar clássicos da literatura renascentista e mitos gregos em romances adolescentes ou musicais, Marcel Camus teve a ideia de dar à lenda de Orfeu e Eurídice um contexto moderno que realçasse a musicalidade e o dramatismo que lhe está inerente. Nada melhor que o Carnaval e a Bossa Nova.

Tom Jobim e Luiz Bonfá partilham com o mundo o seu género associado à classe rica branca e tornam-se cúmplices, ao assinar a banda sonora, de um espectáculo de cor e ritmo incessante que se funde com o samba das favelas e os dois protagonistas pretos. Desde que desembarca no porto, Eurídice entra modestamente no mais extravagante dos palcos, de imediato cercada por homens que a cortejam e vendedores que a requisitam, arrastando-a para uma viagem de eléctrico pela cidade, por coincidência guiado por Orfeu, que está prestes a ficar noivo de Mira.

A história clássica de amor predestinado mas perdido encontra no futebolista Breno Mello e na desconhecida Marpessa Dawn uma genuinidade lírica e desenvolve-se com um entusiasmo contagiante, mesmo quando a morte paira sobre os enamorados, sob a forma de um mascarado que chega ao Carnaval directamente do passado de Eurídice. Vencedor da Palma de Ouro e do Óscar de Melhor Filme Estrangeiro, Orfeu Negro é um retrato de outros tempos, uma introdução ao pico da criatividade cultural brasileira e um trabalho de mise-en-scène dum exotismo exuberante.

9/10

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

A Bucket Of Blood (Roger Corman, 1959)


Quem já alguma vez leu On The Road de Jack Kerouac já saberá bastante sobre o movimento beat na América dos anos 50, talvez o movimento boémio por excelência, no qual o inconformismo era primordial, o deboche um acto de libertação e a arte uma necessidade. Como qualquer subcultura, ontem ou hoje, por cada entusiasta há dois detratores, e o fenómeno residual de uma geração à procura de estímulos e de novos modos de vida acaba por ser o alvo de chacota de outras anteriores ou posteriores. Assim aparece o termo beatnik, destinado a classificar tudo o que fosse sátira da juventude tresloucada de então, estereotipados pelo uso de roupa preta, óculos escuros e boinas, pelo estilo de vida nómada e interesse em criar e apoiar literatura, poesia ou música que desafiassem definições.

É nesse ambiente que A Bucket Of Blood se movimenta, mais concretamente num espaço de reunião de artistas ou entusiastas em geral chamado The Yellow Door Cafe, onde trabalha Walter Paisley, um empregado de mesa sem talento, frustrado e aparentemente perturbado psicologicamente, uma figura que inspira tanto simpatia como repulsa, graças ao aspecto e à interpretação de Dick Miller. Quando mata, acidentalmente, o gato da vizinha com uma faca, tem uma ideia genial: cobri-lo com barro e apresentá-lo como uma escultura da sua autoria às tertúlias que idolatra e que o desprezam. A aprovação é consensual, para surpresa de Walter, que pergunta vezes sem conta a todos se gostaram mesmo do seu gato, e dos que o rodeiam, que assumem tê-lo menosprezado injustamente.

Um poeta charlatão chega mesmo a afirmar que a "voz" de Walter é "a voz silenciosa da criação. No escuro do solo e rico em humildade, ele floresce como a esperança deste século quase estéril" e acaba a pedir-lhe um expresso. Há alguma comédia subtilmente infundida neste filme, o que faz sentido num olhar crítico que, goste-se mais ou menos, não deixa de ser certeiro quanto ao pretensiosismo fácil destes meios, a que o cinema não é alheio, como Corman, o rei dos filmes B, certamente saberia. Em pouco tempo, Walter abraça a fama, deixa de ser empregado de mesa, muda o seu vestuário e congemina novas obras, cada uma com uma perfeição anatómica e posses e expressões de terror assustadoras e que poderiam provar a descoberta de um verdadeiro talento.

Poderiam, não fosse o facto de Walter simplesmente ter passado a matar pessoas e a cobri-las de argila, de formas cada vez mais violentas e premeditadas. O seu antigo chefe é o único consciente disso, mas por medo, pena ou falta de provas, adia confrontá-lo ou expô-lo como a fraude que é, apenas dando a Walter mais tempo para se encher de peneiras, sujar as mãos de sangue e alimentar a sua maior obsessão, casar com Carla, a anfitriã do clube, que não percebe o efeito que a sua simpatia tem na personagem principal. O argumento é muito inteligente e gere todos estes factores com muita segurança, com um crescimento exponencial de tensão e uma divertida perseguição final, isto tudo apesar da produção low-cost e da gravação à pressa em 5 dias. A Bucket Of Blood é Roger Corman no seu melhor, explorando uma cultura fascinante.

8/10

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Plan 9 From Outer Space (Edward D. Wood Jr., 1959)


"Greetings, my friend. We are all interested in the future, for that is where you and I are going to spend the rest of our lives. And remember my friend, future events such as these will affect you in the future. You are interested in the unknown... the mysterious. The unexplainable. That is why you are here. And now, for the first time, we are bringing to you the full story of what happened on that fateful day. We are bringing you all the evidence, based only on the secret testimony of the miserable souls who survived this terrifying ordeal. The incidents, the places. My friend, we cannot keep this a secret any longer. Let us punish the guilty. Let us reward the innocent. My friend, can your heart stand the shocking facts of grave robbers from outer space?"

Assim começa, com este desmesurado discurso do vidente Criswell, a magnum opus de Edward D. Wood Jr., a delirante narrativa de ficção científica que mistura zombies e extraterrestres humanoides muito antes de Hollywood popularizar estes mash-ups de mitologias com Pirates Of The Caribbean (zombies e piratas) ou Cowboys & Aliens (duh), a fita que ainda hoje, mais de 50 anos após a sua conceção, é denominada como a pior de sempre. Meu amigo, dificilmente estarás preparado para o que vais ler! O futuro reserva-nos muitas surpresas e temos de conhecer os factos para ficarmos melhor preparados para as acolher! Tudo o que aparece neste filme aconteceu e pode preceder acontecimentos globais duma dimensão incomensurável e com consequências inimagináveis!

Ou então não. Criswell sai de cena, mas a sua voz continua a ressoar, como uma presença omnipotente, preenchendo espaços em branco, num mecanismo de narração que viria a ser muito influente em Terrence Malick. Plan 9 From Outer Space começa com Bela Lugosi idoso a enterrar a sua esposa, que mais tarde percebemos ser a gótica original Maila Nurmi, mais conhecida no mundo artístico como a jovem Vampira, sendo essa diferença de idades o nonagésimo-primeiro pedido de suspensão de descrença do filme em 5 minutos. No céu, um avião comercial, pilotado por Jeff Trent, cruza-se com uma nave espacial, e a partir daí fica óbvio que algo de muito anormal se vai passar. Em breve, o velho morre também e o estranho casal renasce dos mortos, graças a uma arma de eléctrodos, para causar danos.

Acontece que os alienígenas são mais evoluídos que os terráqueos e vinham em paz para tentar evitar que a corrida ao armamento, assunto na ordem do dia nos anos 50, dado o início da Guerra Fria, levasse, depois do desenvolvimento das armas nucleares, à descoberta da solarbonite, uma substância que causa a explosão das partículas solares e que, usada em bombas, pode originar uma reação em cadeia capaz de apagar do mapa todo o universo, mas a constante falta de contacto e a sonegação das visitas das naves por parte dos governos deste planeta, levaram os visitantes a crer que não se pode confiar em nós e que a nossa estupidez e arrogância é um perigo para todos. Vai daí, o melhor plano que conseguem delinear é criar 2 ou 3 zombies num cemitério nos arredores de Hollywood.

Isto é mau, muito mau. Não só a história, com mais buracos que um queijo suíço, mas os atores, a realização, os cenários, o vestuário, há cenas que mudam de dia para noite em cada corte, há discos voadores presos por fios visíveis, há um sósia de Lugosi que tem de cobrir sempre a cara por estar a substituir a lenda do terror depois da sua morte durante a produção, chega a ser difícil acreditar que Ed Wood não planeou um spoof no género dos que inundariam os anos 80, muitos deles cortesia dos irmãos Zucker. Ao longo dos anos tem-se assistido ao fenómeno de idolatria da comicidade não intencional de Plan 9 From Outer Space e o filme de 1994 de Tim Burton sobre o realizador trouxe muita simpatia por todas estas figuras estranhas que desfilam em frente à câmara.

Biografias à parte, a verdade é que me senti entretido em alguns momentos, o que não é suficiente para me armar em vanguardista e falar sobre uma obra-prima que é genial de tão má que é, o que não faz absolutamente sentido nenhum, mas também não posso falar num nadir do cinema mundial. Tem piada e, em abono da verdade, o discurso final do alien Eros mostra tão bem a bajulação arrogante que a humanidade por vezes devota a si mesma. Eros fala em destruir o nosso mundo caso não mudemos de atitude e um tenente da polícia quer levá-lo para a esquadra. Eros ri-se e nós rimo-nos também. Plan 9 From Outer Space é assim, ingénuo e imperfeito, excêntrico e espirituoso. E claro que, no fim, lá vem Criswell outra vez, para nos lembrar que a Terra é um lugar muito, muito estranho...

3/10