terça-feira, 23 de abril de 2013

Kagemusha (Akira Kurosawa, 1980)


Na altura em que a Nova Hollywood se instalava em pleno e originava os primeiros blockbusters de sempre como Jaws e Star Wars, Kurosawa andava nas ruas da amargura. O falhanço logístico de Tora! Tora! Tora!, as crises de alcoolismo e a eventual tentativa de suicídio em 1971 ameaçavam acabar com a sua carreira, até ao momento em que a globalização se apresentou ao serviço e uniu os dois mundos. George Lucas nadava em dinheiro com o sucesso da sua space opera e fazia questão de vincar a influência do realizador japonês, pelo que ao saber do seu mau momento propôs-se, com o apoio da 20th Century Fox, a contribuir para reverter a situação e a produzir Kagemusha.

Kurosawa havia já estruturado a história em papel e em tela, tendo o argumento escrito e quadros pintados para deixar um registo dos seus projectos caso não os pudesse concretizar. Talvez todo esse planeamento explique a coesão do filme, cujos 180 minutos de duração passam sem uma cena a mais e com um ritmo nem demasiado rápido ao ponto de parecer apressado, nem demasiado lento ao ponto de se tornar aborrecido, algures a meio caminho entre a acção de Seven Samurai e o desassossego de Sansho The Bailiff. Que as espadadas entre guerreiros estejam épicas não é nada de novo, mas Kagemusha surpreende por ser também uma experiência emocional e não só uma aventura.

Situada, como habitualmente, no Japão feudal, cujo sistema político, social e económico assentava na lealdade, posse de terras e serviço militar, encontramos um ladrão sentenciado à morte a receber uma segunda oportunidade como duplo de um poderoso shogun, os comandantes militares que reinavam de facto o país. O fascinante primeiro plano estabelece logo a viabilidade da ideia, sendo impossível distingui-los, pelo menos a meia distância. Ambos os papéis são interpretados por Tatsuya Nakadai, o que ajuda, e nunca um actor esteve tão bem num filme de Kurosawa, deixando a milhas os berros de Toshirô Mifune ou os olhos de cachorro mal morto de Takashi Shimura.

Quando Shingen é mortalmente ferido, o sósia é forçado a tomar o seu lugar durante três anos e, ao contrário da aparência física, a cultura dos dois não podia ser mais díspar. O primeiro exala respeito e códigos bem definidos, pelo que é compreensível a reverência dos seus seguidores, mas ainda mais tocante consegue ser a necessidade do segundo de agradar e cumprir a sua missão, mesmo que cheio de dúvidas (como reflecte um surreal sonho, o meu momento preferido). As brincadeiras com o neto do homem que substitui são um misto magistral de desconforto e afecto. Esta dimensão só tem rival em Ran (1985), o que me obriga a agradecer a… George Lucas, pela preponderância no regresso de Kurosawa.

8/10

1 comentário:

  1. Ainda não tive oportunidade de assistir este trabalho de Kurosawa, assim como "Ran", que estou com uma cópia para conferir.

    Abraço

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