quinta-feira, 8 de setembro de 2011

The Secret In Their Eyes (Juan José Campanella, 2009)

2009 deveria ter sido o ano da consagração universal de Michael Haneke. Com The White Ribbon, o realizador austríaco ganhou a Palma de Ouro em Cannes, o Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro e estava nomeado para o Óscar com a mesma designação. Deveria, mas não foi, e The Secret In Their Eyes foi o culpado. Com Juan José Campanella por detrás das câmaras, alguém com a realização de episódios de Dr. House como ponto de maior interesse no currículo, este não pareceria sequer, à partida, um candidato a derrubar o favorito Haneke nos maiores prémios do cinema americano. À partida.

The Secret In Their Eyes é um thriller discreto. Já foram feitos episódios de CSI mais complexos, mais estrondosos ou mais chocantes. Não, a sua essência não passa por ai. O caso é resolvido a meio do filme, as explosões à Hollywood são substituídas por montanhas de burocracia e a única cena susceptível de ferir sensibilidades aparece logo no início e rapidamente. Benjamin Esposito (Ricardo Darin) não esquece o caso Morales. Agente federal retirado, divorciado, decide dedicar-se a escrever um livro sobre o passado que nunca esqueceu.

O filme desdobra-se em duas linhas temporais diferentes. Enquanto no presente Esposito tenta completar o puzzle da sua vida e juntar as peças do caso e da sua amizade com Irene (Soledad Villamil), a sua eterna superior e destinatária do seu amor nunca confessado, mais de 20 anos antes o agente é chamado a investigar a violação e assassínio de uma jovem, Liliana, casada com Morales. Parte da eficácia do filme passa por aqui, no equilíbrio entre o que está para resolver e o que ainda não foi resolvido, mas também no equilíbrio entre a seriedade que a história exige para nos tocar e a descontracção que as personagens precisam para respirar.

Esposito e o seu colega Sandoval esbarram constantemente contra a hipocrisia do sistema, a devoção (primeiro) e a conformação (mais tarde) de Morales e os seus próprios problemas. Apesar do apoio precioso de Irene, parece que nunca conseguem dar ao caso uma conclusão satisfatória. Nem ao caso, nem às suas vidas. Sandoval é um alcoólico inveterado; Esposito é um eterno solitário. A sua química com Irene é inegável, mas não lhe consegue dar seguimento. Os olhos falam e ambos parecem insatisfeitos. Daí a importância do presente. Porque nunca é tarde demais para tentar viver uma vida cheia, para encontrar respostas.

O estilo é moderno e sóbrio e Campanella eleva o seu trabalho a outro patamar numa set-piece central que engloba a captura do suspeito principal do assassínio de Liliana num estádio. Estou a salientar esta cena porque é um dos planos-sequência mais geniais que já vi - começa com um plano aéreo, vemos o jogo a decorrer e as bancadas cheias, a câmara parece fazer um voo picado sobre o relvado e encontrar Esposito na bancada, movendo-se entre os fãs até encontrar quem procura e o perseguir dentro do estádio até o apanhar. Filmado em várias fases, primeiro de helicóptero, depois com gruas e, por fim, com câmaras mais móveis, tem um total de 7 cortes disfarçados em computador para criar o efeito de continuidade final. É uma maravilha da tecnologia.

Perto do fim, Irene e Esposito discutem o dramatismo negativista e lamechas do último capítulo do livro dele. The Secret In Their Eyes não acaba da mesma forma, antes pelo contrário, contido mas com um piscar de olho e um sorriso. É curioso que alguém como Campanella, com um passado tão ligado à televisão, tenha inviabilizado Haneke, um grande crítico da caixa mágica, de receber uma honra tão grande como o Óscar, mas a qualidade de The Secret In Their Eyes é incontornável - uma agradável surpresa.

8/10

IMDb 

7 comentários:

  1. Tenho um amigo que, de mês a mês me diz: tens de ver THE SECRET IN THEIR EYES. Convenceste-me. :)

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  2. "uma agradável surpresa" subscrevo inteiramente :)
    Ainda assim eu tinha dado o óscar ao "Laço Branço" do Haneke eheh

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  3. Óptimo! Espero que gostes, Carlos ;)

    Pois, eu devo admitir que ainda não vi o filme do Haneke apesar de ele ser dos meus realizadores preferidos, é uma falha enorme que tenho de corrigir.

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  4. Os trabalhos de Juan J. Campanella e Ricardo Darin na última década foram coroados com um merecido Oscar neste belo filme.

    O crescimento do cinema argentina pode ser creditado em boa parte pelos trabalhos desta dupla.

    Abraço

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  5. tem MESMO de corrigir a falha de n ter visto o haneke!

    (passou no outro dia na rtp2, será que viu?)

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  6. Informo que vi o filme do Haneke esta semana (não na RTP mas no DVD) :D

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