2009 deveria ter sido o ano da consagração universal de Michael Haneke. Com The White Ribbon, o realizador austríaco ganhou a Palma de Ouro em Cannes, o Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro e estava nomeado para o Óscar com a mesma designação. Deveria, mas não foi, e The Secret In Their Eyes foi o culpado. Com Juan José Campanella por detrás das câmaras, alguém com a realização de episódios de Dr. House como ponto de maior interesse no currículo, este não pareceria sequer, à partida, um candidato a derrubar o favorito Haneke nos maiores prémios do cinema americano. À partida.
The Secret In Their Eyes é um thriller discreto. Já foram feitos episódios de CSI mais complexos, mais estrondosos ou mais chocantes. Não, a sua essência não passa por ai. O caso é resolvido a meio do filme, as explosões à Hollywood são substituídas por montanhas de burocracia e a única cena susceptível de ferir sensibilidades aparece logo no início e rapidamente. Benjamin Esposito (Ricardo Darin) não esquece o caso Morales. Agente federal retirado, divorciado, decide dedicar-se a escrever um livro sobre o passado que nunca esqueceu.
O filme desdobra-se em duas linhas temporais diferentes. Enquanto no presente Esposito tenta completar o puzzle da sua vida e juntar as peças do caso e da sua amizade com Irene (Soledad Villamil), a sua eterna superior e destinatária do seu amor nunca confessado, mais de 20 anos antes o agente é chamado a investigar a violação e assassínio de uma jovem, Liliana, casada com Morales. Parte da eficácia do filme passa por aqui, no equilíbrio entre o que está para resolver e o que ainda não foi resolvido, mas também no equilíbrio entre a seriedade que a história exige para nos tocar e a descontracção que as personagens precisam para respirar.
Esposito e o seu colega Sandoval esbarram constantemente contra a hipocrisia do sistema, a devoção (primeiro) e a conformação (mais tarde) de Morales e os seus próprios problemas. Apesar do apoio precioso de Irene, parece que nunca conseguem dar ao caso uma conclusão satisfatória. Nem ao caso, nem às suas vidas. Sandoval é um alcoólico inveterado; Esposito é um eterno solitário. A sua química com Irene é inegável, mas não lhe consegue dar seguimento. Os olhos falam e ambos parecem insatisfeitos. Daí a importância do presente. Porque nunca é tarde demais para tentar viver uma vida cheia, para encontrar respostas.
O estilo é moderno e sóbrio e Campanella eleva o seu trabalho a outro patamar numa set-piece central que engloba a captura do suspeito principal do assassínio de Liliana num estádio. Estou a salientar esta cena porque é um dos planos-sequência mais geniais que já vi - começa com um plano aéreo, vemos o jogo a decorrer e as bancadas cheias, a câmara parece fazer um voo picado sobre o relvado e encontrar Esposito na bancada, movendo-se entre os fãs até encontrar quem procura e o perseguir dentro do estádio até o apanhar. Filmado em várias fases, primeiro de helicóptero, depois com gruas e, por fim, com câmaras mais móveis, tem um total de 7 cortes disfarçados em computador para criar o efeito de continuidade final. É uma maravilha da tecnologia.
Perto do fim, Irene e Esposito discutem o dramatismo negativista e lamechas do último capítulo do livro dele. The Secret In Their Eyes não acaba da mesma forma, antes pelo contrário, contido mas com um piscar de olho e um sorriso. É curioso que alguém como Campanella, com um passado tão ligado à televisão, tenha inviabilizado Haneke, um grande crítico da caixa mágica, de receber uma honra tão grande como o Óscar, mas a qualidade de The Secret In Their Eyes é incontornável - uma agradável surpresa.
Tenho um amigo que, de mês a mês me diz: tens de ver THE SECRET IN THEIR EYES. Convenceste-me. :)
ResponderEliminar"uma agradável surpresa" subscrevo inteiramente :)
ResponderEliminarAinda assim eu tinha dado o óscar ao "Laço Branço" do Haneke eheh
Óptimo! Espero que gostes, Carlos ;)
ResponderEliminarPois, eu devo admitir que ainda não vi o filme do Haneke apesar de ele ser dos meus realizadores preferidos, é uma falha enorme que tenho de corrigir.
Os trabalhos de Juan J. Campanella e Ricardo Darin na última década foram coroados com um merecido Oscar neste belo filme.
ResponderEliminarO crescimento do cinema argentina pode ser creditado em boa parte pelos trabalhos desta dupla.
Abraço
Tenho de ver El Hijo De La Novia também :)
ResponderEliminartem MESMO de corrigir a falha de n ter visto o haneke!
ResponderEliminar(passou no outro dia na rtp2, será que viu?)
Informo que vi o filme do Haneke esta semana (não na RTP mas no DVD) :D
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