Susanne Bier pode-se vangloriar
de pertencer ao restrito grupo de realizadores europeus a fazer filmes – no
plural – em Hollywood. Não que essa transição seja sempre positiva, mas
é frequentemente uma hipótese de trabalhar com outros recursos e de chamar a atenção de
mais pessoas para uma carreira. Ainda assim, Bier não abdicou das suas imagens
de marca e consegue aqui desenvolver mais um drama sólido, como nos vinha
habituando a partir de outras geografias.
O início do filme deixa algumas
reticências, pela colagem demasiado forçada ao estilo de escrita de Guillermo
Arriaga, em voga depois do reconhecimento de Babel um ano antes. Não se
pode dizer que a não-linearidade afete a coesão da história. Há alguma lentidão e
repetição, que se revelam insuficientes para enfraquecer a evolução emocional
das personagens, antes ajudam a construir um maior realismo sobre a dificuldade
de perder um ente querido.
Esse é o foco de Things We Lost
In The Fire, via a evocação de Brian Burke (David Duchovny), pai e marido, cuja
memória paira insistentemente, depois de morrer num crime sem sentido,
quando tentava parar um homem de espancar a própria mulher em plena rua, numa
noite em que este tinha decidido visitar o amigo de infância Jerry (Benicio Del
Toro), contra a vontade da esposa Audrey (Halle Berry).
Os laços que se vão criando entre
os que se mantêm no mundo dos vivos extrapolam os sentimentos e motivam grandes
mudanças na vida de todos, não só para ultrapassar a dor, como também para
corrigirem falhas de carácter que carregam há demasiado tempo e que nunca
tiveram coragem de enfrentar. Jerry e Audrey, tal como os atores que
interpretam os papéis, são um par improvável e, talvez por isso, muito
interessante de seguir.
Halle Berry encontrou aqui um
novo papel dramático bem construído, depois de ter andado algo perdida desde o
sucesso de Monster's Ball, mas é Benicio Del Toro que carrega este filme, na maior parte. As suas expressões cansadas e melancólicas assentam que nem
uma luva e nota-se muita preparação nas cenas que são provavelmente as mais
chocantes, em que tem de encarar as tentativas de reabilitação de Jerry, no
fundo um junkie viciado em heroína.
O argumento é paciente e encontra
sempre o tom adequado para cada situação, com especial destaque para os
diálogos das crianças, que inúmeras vezes são notas de rodapé em dramas
familiares desta índole. Há a lamentar o desperdício de uma ou outra personagem,
como Kelly (Alison Lohman), uma drogada que Jerry conhece em grupos de apoio. O
processo de filmagens, com câmaras de mão a gravar muito perto dos atores, e a
fotografia, a realçar reflexos e luminosidades fortes, são soluções estéticas
que ajudam à criação de um ambiente intimista. Things We Lost In The Fire é um drama eficaz.
7/10
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