Seria obviamente incorreto proclamar 1931 como o ano da
popularização do cinema de terror, visto que a intenção de aumentar a
adrenalina nos espectadores e a procura pela materialização em celuloide dos
mais profundos medos humanos e das histórias mais bizarras alguma vez escritas
constituem um binário que remonta inclusive ao século anterior, a pioneiros
como Georges Méliès. Nos estúdios de Potsdam, o centro de toda a produção da
República de Weimar, Robert Wiene congeminara The Cabinet Of Dr. Caligari (1920)
e Faust (1926), obras seminais do expressionismo alemão. Lon Chaney Sr. já
fazia sucesso em dezenas de papéis diferentes.
Ainda assim, 1931 pode ser considerado um ano pivô, marcado
pelo lançamento de três adaptações míticas: Dracula, Dr. Jeckyll And Mr. Hyde e
Frankenstein. Os livros de Bram Stoker, Robert Louis Stevenson e Mary Shelley, respetivamente,
têm lugar assegurado no panteão da literatura intemporal, pela reconstrução de
mitos ancestrais, pela exposição de doenças mentais ou pela exploração dos
limites da ciência. Os três filmes diferem em tom: o primeiro é silencioso,
lúgubre, subtil; o segundo é criativo, açucarado, com muitas alterações em
relação ao livro; o terceiro contém cometários sociais, é mais violento e o
único em que a personagem marcante não é a principal.
Henry Frankenstein é filho de um barão e ex-estudante de
medicina, tendo saído da casa de família e da universidade pelo mesmo motivo:
concentrar-se nas suas experiências de ressuscitação humana com recurso à
eletricidade, utilizando membros e órgãos recolhidos à socapa de vários corpos.
Refugiado numa torre de vigia abandonada, o jovem quer provar às suas figuras
masculinas de referência que estão errados, tanto ao pai incompreensivo como ao
professor de neurologia cético. Pode-se especular que Henry se rebela para
conseguir a aprovação de ambos, conseguindo apenas a do Dr. Waldman, que o
auxilia e morre como consequência.
O argumento é mais explícito quanto à relação com Elizabeth.
Apesar do casamento constantemente adiado, o amor e respeito são mútuos, talvez
por cobrarem pouco um ao outro, num ambiente de riqueza material e expectativas
altas. Os Frankenstein contrastam com a aparente pobreza e isolamento da
região rodeada por altas montanhas peladas. Apesar de nos interessarmos pelos
desafios que enfrentam, importa reforçar a sua arrogância. Henry sente-se um
Deus quando finalmente consegue atingir o seu objetivo. O barão apenas fala de
si, maltrata o presidente da câmara sem motivo e acha que ser bom governante é disponibilizar
cerveja para todos os concidadãos em dias de festa.
Numa noite de trovoada, um fenómeno eletrostático adequado
para garantir o bom funcionamento da maquinaria montada na torre transformada
em laboratório, o monstro, cosido a partir de pedaços de outros monstros,
designadamente o cérebro de um criminoso, ganha vida. Boris Karloff entra em
cena. Cabelo lambido, sem sobrancelhas, parafusos no pescoço, esta criação
desafia os limites éticos da ciência sem dizer uma palavra. Se a morte passa a
ser reversível, que restrição moral se pode associar ao ato de matar? Na cena
mais mítica do filme, Karloff abre o rosto num sorriso ao ser confrontado com a
inocência de uma criança, segundos antes de a mandar para o fundo dum lago.
A criatura que representa o milagre da ressuscitação mata
indiscriminadamente. O revés é violento, repentino… sublime. Décadas depois,
John Connor ensina a mesma expressão facial a uma máquina letal em Terminator 2:
Judgment Day (1991), provando a sua influência. Está tudo nos clássicos. Não se
pode dizer que Frankenstein seja tão assustador como quando saiu, claro, e o
epílogo revela-se dispensável, mas o estilo visual gótico não perde o seu valor
artístico, a interpretação de Karloff continua a ter impacto e os temas
abordados são sempre relevantes. Este é um monumento de relevo num género que
nunca mais parou de surpreender.
9/10
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