De vez em quando saem filmes que,
de tão maus, chegam a enfurecer. The Mist, a centésima quadragésima nona colaboração
entre Frank Darabont e Stephen King, é um conto de terror no qual uma estranha
tempestade espalha um nevoeiro denso que esconde criaturas com grande apetite,
o que vai forçar um grupo de cidadãos de uma pequena vila a refugiar-se no
supermercado local por tempo indeterminado. Logo à partida, quantas vezes é que
já se viu esta fórmula? Mas tentemos deixar essa constatação de lado, porque
também várias foram já as vezes em que a limitação da história não inviabilizou
alguma originalidade (lembre-se o sucesso que foram Shaun Of The Dead ou 28
Days Later no género zombie). Há um ponto relevante em The Mist: o intuito de
Darabont em fazer ressoar algumas preocupações da sociedade atual, sendo o
exemplo mais óbvio a personagem de Mrs. Carmody (Marcia Gay Harden), cujo extremismo
religioso avilta grande parte dos sobreviventes em pouco tempo de reclusão. De
lunática bizarra a profetisa em tempo de desespero vai apenas um passinho. É
assustador verificar que a humanidade dos que a rodeiam se esvanece rapidamente
(ao contrário do nevoeiro, que persiste, imperscrutável) e que a sua palavra
passa a ser seguida, apesar de não oferecer nenhuma solução, apenas violência e
ilusão. Para além disto, claramente, o medo, do desconhecido, e, por vezes, de
outros como nós, é um tema recorrente, havendo ainda espaço para incluir a
culpabilização do exército por atividades perigosas e sem ética, facto
porventura mais direcionado aos espectadores americanos.
Mrs. Carmody é uma figura muito
bem construída. O resto não. Temos meia dúzia de estereótipos que já foram criados
há décadas e podemos prever todos os seus diálogos e reações. Temos sempre
alguma voz a sublinhar a base psicológica de cada cena, ou seja, o nível de condescendência
para com o espectador ultrapassa o tolerável. E temos interpretações carentes e
displicentes. Thomas Jane, coitado, não consegue carregar um filme, por muito
que tente (e tenta há décadas). Marcia Gay Harden é a atriz menos subtil a trabalhar
em Hollywood, mas tem a sorte de isso ser minimamente adequado aqui. Não deixa
de ser um prazer polvilhado de ironia e algo depravado ver, depois de anos em ótimos
filmes que só não são perfeitos por sua causa (Miller's Crossing, Mystic
River), a sua cabeça trespassada por uma bala.
The Mist tresanda a amadorismo
por todos os poros. Se viram The Shawshank Redemption ou The Green Mile terão
certamente ficado fascinados com algumas das imagens poderosas que evocam, com
os grandes planos e o trabalho de câmara sóbrio que os atravessa. Isso não
existe aqui. Toda a realização parece improvisada e apressada, como num
episódio da série The Unit, mas com noções de cinemática muito mais básicas. Os
efeitos especiais são do mais retardado e artificial que alguma vez se viu numa
produção milionária deste tipo, como tentáculos pixelizados cujos movimentos
não se adequam aos dos atores com quem partilham as cenas. Há falhas no suposto
realismo do filme que detraem da experiência, por exemplo um gerador barulhento
exceto quando ninguém está a falar ou sacos de comida para cão que se multiplicam
do nada conforme a necessidade dos lojistas. Isto sem esquecer os enredos sem
solução e lugares-comuns do argumento, que se sucedem a ritmo alucinante. Uma
mulher que sai da loja a correr logo no início da trama, e que, milagrosamente,
aparece sã e salva nos últimos segundos de película. Soldados suicidas. Um fim
deveras irracional e desadequado, que apenas tenta jogar com a nossa pena. Há
tanto de problemático, forçado e simplesmente errado com The Mist que é difícil
formar qualquer ligação com a ação e emoção que tenta desenvolver.
2/10
Muito obrigado por este post, fiquei completamente esclarecido sobre este filme. Nunca o irei ver.
ResponderEliminarO filme teve bastantes defensores quando saiu, o que me surpreendeu.
EliminarObrigado pelo comentário!