terça-feira, 30 de setembro de 2014

Only God Forgives (Nicolas Winding Refn, 2013)

O público e os críticos não souberam muito bem como receber Only God Forgives quando saiu. Os sinais são, efectivamente, confusos; se, por um lado, Ryan Gosling dá a cara por mais um filme de Nicolas Winding Refn, logo a seguir ao sucesso de Drive, que tinha um fio condutor bastante bem definido e apresentava convenções dos filmes de acção, como os interesses amorosos da treta (o amor é tão mais lindo quanto mais difícil for consumá-lo) ou os acidentes de carro exagerados pela indústria cinematográfica (há apenas um, que é criado mesmo para uma cena dum filme), de uma maneira lúdica e estilizada por um olhar europeu mais clínico, por outro lado aqui temos Gosling (Julian) a delirar com amputações, com a mesma gravidade que os sonhos de Max Payne tinham no videojogo com esse nome, e a única relação da personagem principal remotamente possível é criada artificialmente (não há sentimento, ele apenas paga a uma prostituta que vê com frequência para apresentar à mãe como namorada) para ser destruída logo de seguida, com a facilidade de uns berros e ameaças. Only God Forgives retém o desejo de brincar com géneros, tendo-o descrito o próprio realizador como um western no extremo oriente e com um anti-herói moderno, mas também está presente a herança do noir, no esquema polícia-e-ladrão, nos combates underground e nos biscates da máfia. Por agregar uma maior quantidade de elementos numa estrutura narrativa mais dispersa, o filme agarra menos que Drive, é mais frio, mais soturno, mais distante, mais violento, merecendo assim comparações com Valhalla Rising em igual medida às feitas com Drive. De um ponto de vista estilístico, temos aqui uma obra-prima; Refn aposta nos néons e nas lâmpadas coloridas dos clubes de strip para atingir um visual desconcertante, adequado à seriedade demente do tenente Chang, que inicia uma cruzada contra a família criminosa de Julian. Julga-se o salvador de uma cidade de pecado e deixa um rasto de sangue atrás de si. O motivo que inicia tamanha carnificina é algo aleatório e já vimos esta premissa centenas de vezes. Gosling está mais letárgico que enigmático, e não é possível assumir protagonismo quando aparece Kristen Scott Thomas como a matriarca white trash, sem escrúpulos ou papas na língua. Mas Only God Forgives vale, acima de tudo, pelo ambiente. É de cortar à faca. Ou à espada.

7/10

domingo, 28 de setembro de 2014

POSTERS: Bad Turn Worse (Simon Hawkins, Zeke Hawkins, 2013)

Um filme com um título comprido e memorável e um poster condizente... e depois mudaram o título para o insípido Bad Turn Worse (tirando isso, é um film-noir indie que vale a pena descobrir).

sábado, 6 de setembro de 2014

Path To Paradise (Leslie Libman, Larry Williams, 1997)

A administração de Bill Clinton ficará para sempre marcada pela impugnação do mandato, na sequência do escândalo Lewinsky, o que é sintomático da ingenuidade ou alheamento relativamente a questões mais sérias que um período de estabilidade social e económica como os anos 90 pode semear, copulado com o crescente poder de manipular a informação e de a disseminar rapidamente dos media. Em retrospetiva, devia ser embaraçoso para a América que todas as atenções tenham sido voltadas para um vestido com manchas numa altura em que o país devia estar grato pelo baixo desemprego, baixas taxas de inflação ou baixo crime atingidos entre 1993 e 2001… mas também atento para as movimentações no mundo árabe, em especial para as possíveis consequências de terem treinado e armado organizações terroristas, sem ideologia clara para além do caos e que prestavam vassalagem a ninguém.

O cúmulo dos ataques registados no dia 11 de Setembro de 2001 é que não houve falta de avisos, e aqui podemos chegar ao real nadir da passagem de Clinton pela Casa Branca: não autorizar a morte de Osama Bin Laden quando teve oportunidade para o fazer em 1999. O líder da Al-Qaeda já havia emitido por duas vezes apelos para uma guerra santa contra os EUA e patrocinado vários ataques bombistas. Um deles acontecera em 1993 no World Trade Center e é o foco deste filme.

Apesar de todo este contexto, Path To Paradise põe a política de lado e concentra-se em recapitular a preparação da detonação e as investigações do FBI, antes e depois, com grande precisão. Logo no início temos a imagem assustadora dos terroristas a treinar tiro ao alvo em Jersey City, com as Torres Gémeas em pano de fundo, do outro lado do rio Hudson. Todos eles frequentavam a mesquita do sheik Omar Abdel Rahman, um clérigo cego conhecido pelas suas posições extremistas contra o Ocidente, ou seja, também ele estava integrado na sociedade que odiava, como todos os intervenientes.

A atitude dos serviços secretos é a do deixa andar, mesmo quando têm um informador a avisá-los do que pode estar para vir, que dispensam por ele exigir 500 dólares por semana como compensação pelos riscos que estava a correr. Mais tarde são forçados a pagar-lhe 1 milhão e a fazê-lo desaparecer. Com clareza e detalhe, o argumento e a realização nunca perdem o rumo e escalpelizam a incompetência e as incongruências de ambos os lados, bem como as consequências das suas ações.

Para o espectador sobra um sentimento enorme de raiva, pois fica patente a ideia de que tanto o ataque de 1993 como o de 2001 (vendo o filme agora é impossível não estabelecer paralelos) podiam ter sido impedidos com o correto funcionamento das instituições, menos burocracia e melhores decisores. Também é verdade que a compulsão dos EUA de intervirem no que não deviam nem percebem precisa de terminar, mas não há defesa para bárbaros que matam contra um determinado estilo de vida enquanto usufruem do mesmo. O filme é profético na ameaça que deixa do risco de futuros atentados no solo americano em nome de Alá e da religião da paz, nomeadamente na última cena, onde um dos conspiradores é transportado pelo FBI de helicóptero sobre o WTC e diz “next time we’ll bring them both down.” Se calhar havia assuntos mais importantes que um broche ao presidente.

8/10