domingo, 30 de novembro de 2014

The Misfits (John Huston, 1961)

The Misfits nunca há-de cair no esquecimento, se não for pela qualidade das interpretações oferecidas por Clark Gable, Montgomery Clift e Marilyn Monroe, será pelo complicadíssimo processo de produção, especialmente por causa dos mesmos. O primeiro, já com quase 60 anos, conservava ainda uma classe e paciência à parte, mas irritava-se com a falta de profissionalismo do realizador, na altura viciado em apostas, e insistia em arriscar a saúde nas gravações mais exigentes fisicamente, incluindo ser arrastado por uma carrinha a 50 km/h no meio do deserto, algo que podemos ver para o fim do filme. O segundo havia entrado numa espiral descendente desde um acidente viário em 1956 o ter desfigurado e provocado lesões debilitantes. Apesar do sucesso pioneiro, na altura, das operações plásticas realizadas no seu rosto, outros problemas de saúde levaram-no à dependência de álcool e analgésicos. Monroe viria a dizer que Clift era a única pessoa que conhecia que estava em pior forma que ela própria. Isto porque a loira platinada mais famosa de Hollywood atravessava também um período conturbado, em pleno divórcio do polémico escritor Arthur Miller, que, como se isto já não fosse suficiente, era o argumentista de The Misfits. Ataques de ansiedade faziam-na esquecer as falas, chegar atrasada todos os dias e morfar comprimidos para dormir como se fossem rebuçados Pez. Gable morreu 12 dias depois do fecho das filmagens; Monroe morreu um ano e meio depois. Este foi o último trabalho de ambos.

No meio disto tudo, que dizer? A reputação persegue The Misfits, e acredito que as expectativas de muitos espectadores, ainda hoje, sejam influenciadas por isso. A verdade é que não se trata de um grande épico, nem sequer é um grande western, apesar de ser sobre cowboys. Não, esta é uma história muito mais íntima, calorosa e regrada do que seria de esperar… e nada mais agradável do que ver estes pesos-pesados do cinema gerar uma química tão forte e tão memorável, resultando, involuntariamente, num epitáfio tão definitivo. Acaba por ser um milagre que um filme sobre três pessoas cuja indolência é apenas ultrapassada por uma contraditória fúria de viver (para estabelecer um paralelo com a também curta filmografia de outro azarado contemporâneo, James Dean) tenha sido feito nestas condições e consiga cativar tanto. Gay, Perce e Roslyn andam à deriva num oceano de solidão, em mente, e num deserto de areia, em corpo. O velho Oeste já desapareceu há muito nos planaltos do Nevada, já ninguém resiste aos salários baixos mas certinhos nas cidades, já não há cavalos selvagens para domar ou vender aos talhos, já não há rodeos como antigamente e estas personagens em particular parecem condenadas a agarrarem-se a algo que não existe ou a agarrarem-se uns aos outros, perpetuando as suas fantasias e desiludindo-se continuamente, sim, mas, pelo menos, com companhia. O que vale é que The Misfits nunca há-de cair no esquecimento. Assim, pode ser redescoberto e reavaliado vezes sem conta.

8/10

1 comentário: