domingo, 21 de dezembro de 2014

Rush (Ron Howard, 2013)

Depois do frente-a-frente reconstituído em Frost/Nixon das célebres entrevistas do jornalista ao antigo presidente conduzidas em 1977, um dos mais marcantes confrontos de mentes da história da televisão, Ron Howard parece, pela primeira vez na sua carreira, transportar alguns aspetos de um filme seu para o seguinte, ao continuar na mesma década e parando noutra rivalidade pública, desta vez no desporto: o domínio bipartido automobilístico de James Hunt e Niki Lauda na Fórmula 1. O que faz de Rush ainda melhor é a constatação de que nos maiores feudos são normalmente as inúmeras ligações, à partida inevidentes, entre as partes que os torna férreos e épicos.

Enquanto jovens, sem o apoio das respectivas famílias e com uma enorme vontade de mostrar ao mundo aquilo de que eram capazes, estão inscritos na Fórmula 3, uma liga que dá alguma visibilidade, mas parece 30 anos atrasada a nível organizacional e de meios disponíveis em relação aos Grand Prix de topo. Já nessa altura, Hunt chama sempre para si a atenção e o risco, enquanto Lauda se mantém reservado e calculista, na pista e fora dela. Para um, o talento é uma bênção que deve ser celebrada com sexo e álcool sempre que possível, enquanto para o outro tem de ser trabalhado diariamente, mesmo que isso signifique abdicar de certos luxos, como a própria felicidade.

Não é só de montagens frenéticas e corridas a 300 km/h de que Rush vive, antes pelo contrário, Howard consegue sempre equilibrar isso com óbvia compreensão de como as vidas pessoais e as inseguranças de cada um influenciam até os estilos de condução que os caracterizaram. A impetuosidade do britânico é responsável pelas mais mirabolantes ultrapassagens da época, mas também por divórcios pouco amistosos, declarações polémicas e uma ansiedade constante, que procura acalmar com excessos variados. Em Nova Iorque despede-se da mulher num restaurante, sai sozinho para a gozar perante os paparazzi e entra num táxi cabisbaixo, talvez arrependido, no mínimo consciente da sua solidão.

Longe dali, o austríaco prepara os carros com os mecânicos, ofende muita gente com uma honestidade sem tacto e questiona-se sobre o seu futuro por sentir que tem finalmente algo a perder ao casar-se, depois de anos a ser lembrado da sua aparência menos atrativa e a isolar-se por opção. Assim chegamos a Nürburgring (Alemanha) em Agosto de 1976, “The Green Hell” ou o percurso mais antiquado e perigoso do campeonato. Lauda insiste para que a prova seja boicotada pelos pilotos devido às más condições atmosféricas, mas, como era o líder da classificação, ninguém lhe dá ouvidos. Um acidente logo no início transforma o seu carro numa bola de fogo e é levado para o hospital com queimaduras gravíssimas.

Vê-lo a ser entubado num processo de limpeza de pulmões enquanto olha para a televisão, onde Hunt vai ganhando pontos todos os fins-de-semana aproveitando-se da ausência do maior rival, é perturbador. Mas dá-lhe motivação. Na realização, montagem, fotografia e actuações exploram-se a claustrofobia do carro, a adrenalina da velocidade, a dor da recuperação, o espírito de competição, mas, acima de tudo, o laço único de respeito e admiração que se cria entre estes dois homens, com perspectivas tão díspares, que fazem de tudo para se baterem por saberem que são os melhores naquilo que fazem. É a beleza do desporto numa história real que, mais tarde ou mais cedo, tinha de dar em filme.

9/10

Sem comentários:

Enviar um comentário