domingo, 7 de fevereiro de 2016

The Revenant (Alejandro González Iñárritu, 2015)

A qualidade dos filmes de Iñarritu é evidente. Seja nos dramas deprimentes do início da carreira ou na comédia experimental do ano passado, dificilmente se pode contestar que chegam ao patamar de verdade emocional e criatividade técnica a que se propõem. Contudo, é possível argumentar que a consistência não tem sido a sua principal preocupação. Não é uma crítica, apenas uma constatação. O caminho pelo qual vai enveredar a seguir fica cada vez mais imprevisível, o que também ajuda a criar expectativa, como aconteceu quanto a The Revenant, ainda por cima depois dos relatos emergentes de dificuldades na produção, ao ponto de elementos da equipa se despedirem ou terem sido despedidos.

Biutiful estava dependente do grau de realismo exibido desde Amores Perros até Babel para resultar, apesar de já conter tiques espiritualistas, secundários ao cerne da história. Birdman representou uma liberação do processo de montagem enquanto salvaguarda de eficácia, a passagem dos jump cuts para os planos-sequência intermináveis foi uma mudança de estilo radical. Em certa medida, a trilogia da morte, escrita por Guillermo Arriaga, autojustifica-se, existe separadamente num universo uno, e, de seguida, o realizador partiu à procura da sua identidade. Com The Revenant, baralha o que entretanto aprendeu e começa um novo jogo, o do cinema contemplativo.

A curiosidade pelo meio ambiente em que as personagens se inserem tem algo de Terrence Malick. A desarmonia no convívio de europeus e nativos ajuda a associar ao The New World (2005). Alguns pormenores visuais lembram Andrei Tarkovsky, como a igreja vazia e os sonhos repletos de simbolismo, ou o Come And See (1985) de Elem Klimov, porque a beleza natural esconde instintos humanos destrutivos (e o Will Poulter é a fotocópia do rapaz desse clássico bielorusso). O cometa que atravessa o céu ou a avalanche de neve ao longe são daqueles pequenos milagres que nada explicam e, no entanto, acrescentam algo de etéreo. Os mestres supramencionados saberiam apreciar.

Estas meditações não deixam de assentar numa caça vingativa muito direta e violenta. Hugh Glass (Leonardo DiCaprio) serve de guia a expedições de comerciantes de peles através de zonas inóspitas da América, nomeadamente ao longo do rio Missouri. A dureza dos homens rivaliza com a dos elementos. Glass é perseguido por índios, atacado por um urso e vê um companheiro de viagem esfaquear até à morte o filho. Depois de Essential Killing (Jerzy Skolimowski, 2010) achei que se tinham atingido os limites da intensidade na luta pela sobrevivência. Estava enganado. A diferença é que em The Revenant não se foge de uma ameaça, procura-se satisfazer uma vontade animalesca.

Apenas quando tem a possibilidade de a concretizar vê como é inútil. Até lá, a força de vontade de Glass e os seus métodos primitivos de caça, pesca, aquecimento, manuseamento de feridas e afins surpreendem a cada minuto. A fotografia de Emmanuel Lubezki é de uma clareza e uma fluidez que esgotam adjetivos. O trabalho de DiCaprio idem. Ninguém tem sido tão consistente na excelência das suas interpretações como ele nos últimos 10 anos. Claro que há um tal de Daniel Day-Lewis, mas esse aparece entre o comum dos mortais menos vezes do que o messias. Com esta conjugação de elementos, Iñarritu chega ao ponto alto da carreira. The Revenant é, sem reservas, um dos melhores westerns que eu já vi.

9/10

2 comentários:

  1. Filme longo demais, com uma primeira meia-hora de autêntico bocejo. A anos-luz dos primeiros grandes filmes de Iñárritu, cuja curva descendente começou em "Biutiful". Salva-se a fotografia e a excelente interpretação de DiCaprio (por uma vez o Óscar foi bem entregue). Que diferença do último filme de Tarantino..!

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    1. Admiro muito o que foi feito na "trilogia da morte", mas este The Revenant está noutro nível. É uma enorme experiência de cinema, não "só" um argumento cheio de artifícios (e que belos artifícios, mas simplesmente são mais filmes de argumentista que de realizador). Ainda não vi o Hateful Eight, infelizmente...

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