domingo, 27 de março de 2016

The Beekeeper (Theodoros Angelopoulos, 1986)

Theodoros Angelopoulos ganhou uma Palma de Ouro, mas nem isso lhe conferiu o reconhecimento devido. Um verdadeiro virtuoso da mise-en-scène, o seu trabalho tem suscitado comparações compreensíveis com Fellini e Tarkovsky pela forma como combina um elevado sentido estético com uma melancolia permanente e propícia à reflexão. Em The Beekeeper, um professor retirado dedica-se à apicultura como passatempo e, com a chegada da Primavera, empreende uma viagem pela Grécia, para as suas abelhas sugarem pólen em várias regiões do país. Todas as personagens principais dos filmes de Angelopoulos parecem estar a passar por fases de introspeção intensa e o seu comportamento é instável. Nadam silenciosamente num mar de solidão enquanto desesperam por contacto verdadeiro com as pessoas que os rodeiam. Às vezes encontram outros como eles pelo caminho, o que os pode levar a escorregar para a total deceção ou a encontrar alguma paz de espírito através de simples gestos de compaixão. Aqui envereda pelo lado mais negro.

A família de Spyros está desintegrada, todos mantêm uma distância nunca verbalizada. No início, a sua filha mais nova parte em lua-de-mel. Spyros levanta-a do chão, segura-a como se fosse um bebé e canta-lhe uma canção de embalar. Ela vai embora. O seu filho vai estudar para Atenas, levando a mãe atrás de si, para o ajudar no dia-a-dia na capital, e a sua outra filha saiu de casa há muitos anos, por razões que não chegamos a perceber. Spyros é daquelas pessoas que se calam mesmo quando têm algo para dizer, e, se por um lado parece deprimido com todas estas divergências, por outro também acaba por fazer pouco para as evitar. Na travessia pelo seu país conhece, separa-se e reencontra várias vezes uma jovem expansiva e frívola, sem lar nem destino, que vive ao sabor do vento e dos desejos dos namorados, que nunca são os mesmos. Ela, desde cedo, provoca-o e procura a sua proteção. Faz sexo no quarto de hotel que Spyros reserva para eles com um soldado que encontra na rua e na manhã seguinte faz a barba do velho, tratando-o como se fosse o seu guardião. Talvez canalizando a sua adoração pela filha mais nova, talvez canalizando também as suas frustrações sexuais acumuladas com anos de afastamento progressivo da esposa, Spyros dá à jovem tudo o que pode, mas começa a exigir contacto físico. Tudo isto é intuitivo, revelado sem palavras, cada cena evoca uma tensão emocional escondida sobre uma calma aparente. A relação está destinada a não durar mais do que a viagem.

Ao contrário do que acontece na maioria dos filmes deste realizador, são raros os planos-sequência longos, os paralelos entre o enredo e a história do sudeste europeu, nem se encontram divagações pelo tempo ou por sonhos para revelar mais sobre a personagem principal, como se vê em Ulysses’ Gaze ou Eternity And A Day. Angelopoulos equilibra sempre todos estes elementos com mestria, mas aqui parece querer preocupar-se quase exclusivamente com a componente humanista, que também lhe é normalmente associada. The Beekeeper é um filme mais frágil, lúgubre e minimalista. Adicionalmente, é talvez o melhor papel de sempre de Marcello Mastroianni, onde a sua subtileza vem ao de cima como nunca. The Beekeeper poderá não ser o filme mais acessível ou canónico de Angelopoulos, mas é cinema paciente e poético como poucos conseguem fazer.

8/10

terça-feira, 8 de março de 2016

Seven Men From Now (Budd Boetticher, 1956)

Dizer que o western é o género mais americano de todos não será propriamente inovador; a constatação tem sido evidenciada por figuras de renome tanto do lado da produção como do lado da crítica. Com o mínimo de conhecimento histórico e alguns clássicos na bagagem, instintivamente se identifica a preponderância das paisagens do país em todas as suas geografias como elemento fundamental para sobrelevar qualquer dilema ou conflito, a exploração dos acontecimentos que moldaram a construção de uma identidade nacional e mesmo os paralelismos com a atualidade que escoam para estas representações do passado. Quentin Tarantino tem sido a voz mais audível de aclamação destas qualidades nos últimos anos.

Nada que André Bazin não tivesse já notado desde os primeiros tempos da Cahiers du Cinéma, revista que ajudou a fundar em 1951. O seu investimento na análise dos filmes de John Ford, Anthony Mann e outros como mais do que objetos de puro entretenimento, como eram a generalidade das coboiadas, muito à conta de representações infantis dos confrontos entre os civilizados caras pálidas e os selvagens peles vermelhas, está documentado, bem como a sua admiração por Seven Men From Now em particular. A secura que Boetticher adota, nos cenários do oeste montanhoso, no fleumático Randolph Scott e na rejeição dos subterfúgios da psicologia, são por si expoentes máximos desta iconografia do rigor estético e moral.

A procura por justiça é uma viagem que não dispensa os acidentes de percurso, mas não pode deixar de ser o destino. Com Ben Stride, xerife caído em desgraça e viúvo desde que do assalto à Wells Fargo da sua cidade resultou a morte da esposa, que trabalhava na companhia financeira, essa viagem é também movida por vingança, talvez a forma mais cinemática de ação/reação. Nada poderá impedir a morte dos criminosos, apesar de serem sete, a continuidade do seu altruísmo, apesar de proteger John Greer (Walter Reed), que não foi brindado com a mesma firmeza de princípios, nem a exaltação da memória da mulher, apesar da tentação que representa a bela Annie Greer (Gail Russell).

Isso é tudo tão inevitável ao ponto de Boetticher atalhar a representação das eventuais contrariedades. Dos disparos fatais já só ouvimos o eco posterior ou só vemos os corpos a cair, nunca o sacar da arma. O fim de Greer virá naturalmente, é desprezável para a personagem principal. Stride e Annie nunca se beijam. Seven Men From Now é surpreendente na sua simplicidade, por conscientemente negar certos estereótipos narrativos. Da mesma forma, o deserto não é um amontoado de areia aborrecido, antes um habitat com uma constância reconfortante que escondeu tesouros de cowboys, testes de bombas nucleares, mitos de contactos com alienígenas, petróleo para explorar e sabe-se lá que outros segredos.

8/10