Richard Linklater não se ensaia muito para mandar pela
janela as convenções narrativas com que a maioria do cinema mainstream se rege,
preferindo trabalhar com sucessões de vinhetas, relacionadas apenas
superficialmente entre si, para procurar alguma verdade mundana que possa ter
uma ressonância intelectual ou motivar um despertar emocional. Regra geral, nem
sequer é um momento específico que resume o impacto dos seus filmes, antes esse
acumular de situações familiares (que nos obriga a ver com outro olhar) vai
deixando a sua marca e, quando se dá por ela, já não estamos em frente a um
ecrã mas a explorar as ruas de Viena ou no liceu à caça do que fazer depois das
aulas, somos absorvidos pelo momento.
O valor do tempo define-se para construir uma lógica interna
de evolução dos acontecimentos. Before Sunrise só faz sentido porque cada
minuto da viagem de Celine e Jesse vale mais perto de um minuto do relógio do
que estamos habituados, por exemplo. Em Waking Life, a sua perceção é mesmo imensurável,
porque a realidade específica na qual a personagem principal deambula é o mundo
dos sonhos e sabemos como a passagem do tempo durante o sono é variável. De
cada vez que acorda, o rapaz está num sonho dentro de outro sonho, preso dentro
de infinitos círculos concêntricos. Com isso, atinge recantos do subconsciente
onde encontra ideias filosóficas que a sua mente interpõe através de figuras
invulgares.
O facto de ser um jovem a ter esta experiência alinha-se com
a simpatia do realizador pelo espírito contestatário daquelas fases em que se
quer todas as perguntas e todas as respostas e que, para o melhor e para o
pior, se dilui com a entrada na vida adulta e as responsabilidades que isso
acarreta. Cada cena pondera a evolução da humanidade, o existencialismo, a
importância das artes ou o livre arbítrio com uma eloquência invulgar. São
monólogos e diálogos com o professor universitário de química Eamonn Healy, um
homem que se imola no meio da rua, o escritor africano Aklilu Gebrewold, um
preso com desejo de vingança, um chimpazé que fala, Timothy Levitch, entre
outros, no documentário mais estranho de sempre, no fundo.
Resta mencionar que Waking Life é uma animação, escolha
surpreendente para um ensaio filmado. A aposta arriscada no rotoscópio, em que
a ação foi gravada e os desenhos foram feitos por cima duma projeção posterior
em estúdio, reforça a qualidade fluída do estilo minimalista e natural de
Linklater. As linhas estão em constante movimento e preenchem estas
especulações com pormenores surrealistas e cubistas. O que busca é liberdade
total, criativa e conceitual, e nem importa se é possível atingi-la. Waking
Life não é igual a nada, o que, por si só, o autojustifica. Como se não fosse
suficiente, há pano para mangas a nível de temas de conversa e exercício para
os pensadores inquietos.
8/10