domingo, 11 de dezembro de 2016

Werckmeister Harmonies (Bela Tarr, 2000)

Werckmeister Harmonies é um terrível pesadelo e um belo sonho. É o som e o silêncio. Dia e noite. Preto e branco. Redenção/Condenação. Esqueçam conceitos como ação ou tempo e agarrem-se apenas ao movimento que se estende de um espaço até outro diferente mas estranhamente ligado ao anterior. Atravessamos uma vila húngara, admiramos as suas gentes, as suas casas, os seus lugares comuns, a natureza que os rodeia, a ameaça que se aproxima, a desordem que se materializa e depois desvanece com ainda mais celeridade.

Esta ubiquidade neutra estabelece Werckmeister Harmonies como um ensaio primariamente plástico, e, nesse sentido, é um filme imaculado. Temos 24 frames por segundo em 145 minutos de película e 39 longas cenas, de uma fluidez e mise-en-scène tão etéreas que nos perdemos a contemplar cada milímetro quadrado do ecrã, como se mais nada importasse senão a imagem propriamente dita, não o que significa ou em que contexto se insere, mas apenas as formas e os contrastes daquilo que vemos, sejam pessoas, construções ou paisagens. O que interessa não é o que acontece, mas o que vemos no que vai acontecendo. Apercebemo-nos do terrível facto de que tudo isso se perde a cada segundo que passa e ficamos na dúvida do que é maior, se a tristeza pelo que fica para trás, se o entusiasmo pelo que Bela Tarr filmará a seguir.

Num plano secundário encontramos resquícios de uma história, que nem é sobre ninguém em particular, apesar de ser apresentada à medida que seguimos um rapaz que se confunde com os cenários que atravessa. Janos (Lars Rudolph) conhece tudo e todos, é o nosso guia, destila meia dúzia de frases feitas sobre o cosmos, mas não tem um discurso pessoal. Quando uma espécie de circo chega à cidade, são apresentados aos cidadãos dois atos, que representam perspetivas de vida opostas: apreciar uma baleia, cujo gigantismo e harmonia coloca os homens no seu lugar e os relembra da responsabilidade de viver em sintonia com a natureza, ou acompanhar o “príncipe”, um niilista misterioso que vai instigar revoltas desnecessárias, como tantas que acontecem ao longo da História e por todas as geografias.

Desde a primeira cena que o confronto entre a luz e as trevas é evidente, quando vários homens numa taberna teatralizam um eclipse, coordenados por Janos. Mais para o fim, um grupo ameaçador marcha contra o hospital, transformado por discursos vazios, até chegar a um balneário onde um idoso nu se mantém petrificado. Perante tal demonstração da fragilidade humana, regressa o silêncio e a calma. Pura excelência técnica e contemplativa que desafia qualquer descrição.

9/10

1 comentário:

  1. Béla Tarr é um génio da câmara !..recomendo do mesmo realizador

    - A torinói ló (2011)
    - Sátántangó (1994)

    Miguel

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